Excelente texto do
Alberto da Câmara Lima Falcão, especialista em Direito Empresarial pela UFPE e
Auditor-Fiscal do Tesouro Estadual do Estado de Pernambuco. Originalmente
publicado no site “Jus Navigandi” (<http://jus.uol.com.br/revista/texto/19802>) e republicado no blog SPEDNews.
A atividade
empresarial conheceu significativos benefícios com o desenvolvimento e utilização
de ferramentas e processos produtivos em ambiente digital.
Do incipiente uso
na administração do cadastro de clientes e nos controles de estoque em
computadores pessoais até o e-commerce voltado para smartphones,
o aumento da produtividade, do alcance a mercados e exposição da marca do
empresário ganhou dimensão não antes vista, com reflexos na lucratividade, seja
na parte da redução de custos, seja nos ganhos de escala com a integração na
cadeia produtiva virtual. E isso em quinze anos ou menos.
Bill Gates conta
em seu “Business @ the Speed of a Thought” que, em agosto de 1995, a Microsoft
foi saudada pela “Time” como o centro gravitacional do mundo digital pelo
lançamento do sistema operacional Windows 95, software que reforçou a
supremacia da empresa no gigantesco mercado de microcomputadores e suas, então,
atividades e utilidades off line. Naquele mesmo ano, em dezembro, a internet
era o grande assunto, na imprensa especializada e também na comum. Para
embaraço de Gates, que também relata no livro, que a estrutura voltada para a
internet na sua empresa resumia-se à página do site da companhia gerenciado por
três máquinas instaladas na sala de seu expert em
internet, J. Allard, com a fiação amarela espalhada pelo chão e instruções
escritas à mão de como usar.
Dificuldades como
a enfrentada pela maior e mais avançada empresa de tecnologia com o
acontecimento da internet, demanda reflexão acerca da oportunidade e forma de
inserir processos digitais na atividade empresarial, sobretudo a processos
críticos à existência da operação. A introdução de sistemas de planejamento e
gerenciamento de operações (ERP) e de relacionamento com clientes (CRM) exigem
clara visão dos objetivos, benefícios e dificuldades e sólida estratégia para
investimento e implantação. E essa introdução é facultativa ao empresário (bem
entendido, facultativa até o ponto de que seu negócio se torne ineficiente
frente à competição que já realizou o investimento).
Quando a
iniciativa de inserção de processo digital parte do poder público, a cautela
respeitante à heterogeneidade dos destinatários, dos custos adicionados aos já
existentes para atender a obrigações já correntemente impostas, e a capacidade
do mercado, e da própria administração pública, de se aparelhar para cumprir as
exigências da migração para o processo digital, implica no estabelecimento de
sólida estratégia de implantação.
As administrações
tributárias da União e dos Estados deliberaram instituir o Sistema de
Escrituração Digital-Fiscal, SPED-Fiscal, e a Nota Fiscal eletrônica, NF-e,
para os contribuintes do ICMS e do IPI, através do Convênio ICMS 143/06 e do
Ajuste SINIEF 07/05, respectivamente.
Nesse ponto, cabe
avaliar o impacto das determinações fiscais sobre as operações empresariais do
ponto de vista da estratégia de sua implementação e da legalidade de alguns
aspectos da escrituração fiscal digital.
Vamos restringir,
para fins desse artigo, a análise em dois tópicos para o SPED-Fiscal, sendo: 1)
relativamente à obrigatoriedade genérica para todos os contribuintes dos impostos
citados e, 2) dos meios postos à disposição dos contribuintes pelo poder
público para cumprimento da obrigação.
Quanto à Nota
Fiscal eletrônica, NF-e, vamos analisar também dois aspectos, o da transmissão
on-line obrigatória da NF-e e a emissão em contingência das notas, quando
impossibilitada a emissão regular.
O SPED-Fiscal
incluiu inicialmente o todo o universo de contribuintes do ICMS e do IPI, em 1º
de janeiro de 2009, com a possibilidade dos Estados, em conjunto com a Receita,
estabelecerem um cronograma especial de inclusão para 2008. Os contribuintes
optantes do SIMPLES NACIONAL, com legislação específica para sua escrituração,
estão, acertadamente, fora da sistemática, possuindo livro de registro de
entradas (estranhamente em papel) e sistema próprio na escrituração do PGDASN
(mensal) e o DASN (anual).
Em seguida, o
Ajuste SINIEF 02/09, modifica a obrigatoriedade do SPED-Fiscal para conferir
aos Estados a competência de indicar os obrigados, facultando aos restantes o
ingresso.
Essa é a forma atualmente
adotada pelas unidades da federação.
À parte as
considerações acerca da indeterminação dos critérios para indicação dos
obrigados e da facultatividade dos demais, em confronto, a priori, com os princípios administrativos da isonomia
e impessoalidade, há ainda a regra posterior, consignada na Cláusula Terceira,
II, §3º, do Ajuste, de revogação instantânea da dispensa, por ato
administrativo do estado de localização do estabelecimento, configurando
situação de grave instabilidade do status do
contribuinte. Essa regra demonstra a imponderada estratégia de adoção da
escrituração digital.
Acresce-se a isso
o fato das administrações tributárias envolvidas não terem desenvolvido e
oferecido ao contribuinte o software oficial para cumprimento da obrigação. Numa
situação de insuficiência no mercado de programas fiscais para este fim, a
inexistência de software próprio da administração põe o ente como omisso no
provimento dos meios para o correto cumprimento de obrigação, apoiando o
argumento de descumprimento legítimo, consideradas as circunstâncias concretas
de cada caso.
A Nota Fiscal
Eletrônica, NF-e, por sua vez, tem em suas características a natureza de
documento exclusivamente digital (emitida, portanto, sem necessidade de papel)
e sua autenticidade e impossibilidade de alteração de conteúdo assegurada pela
certificação e assinatura digitais. Essas características são as naturalmente
objetivadas na elaboração e uso do documento digital, possibilitado pelo uso da
criptografia assimétrica, de acordo com a medida provisória 2.200/2001, que
disciplina a elaboração do documento eletrônico.
A nota fiscal em
meio digital poderia, tecnicamente, ser emitida e armazenada off line, sem transmissão imediata para os bancos de
dados do Fisco, ponderando, a administração pública, acerca da capacidade de
transmissão atual da internet brasileira e da adaptação dos contribuintes à
novel obrigação. Observado isso, a transmissão dos documentos emitidos poderia
ser feitas em pacotes, em horários convenientes, sem interrupção das atividades
da empresa, em caso de problemas técnicos na rede.
A opção para a
NF-e foi de imediata transmissão, precedido de pedido de autorização de emissão
(AIDF), de resultado automático, com os benefícios e problemas decorrentes
dessa alternativa.
A ocorrência de
problemas na internet ou nos extremos dos pontos de envio ou recepção do
documento paralisa a atividade do contribuinte até a utilização do chamado modo
de emissão em contingência, que implica, observada a ordem estabelecida no
ajuste, em tentativas de transmissão para outros bancos de dados que especifica
o Ajuste (SCAN, DPEC), onde, não obtido sucesso, segue-se a impressão do
documento auxiliar da nota fiscal, que acompanha o trânsito das mercadorias,
DANFE, em formulário de segurança, papel com requisitos de segurança próprios
de autenticidade.
A complexidade do
processo de emissão da NF-e, em razão da estratégia de implantação adotada e do
perfil legal estabelecido para sua validade (transmissão imediata, AIDF
requerida nota a nota, procedimento de contingência) impõe sérias dificuldades
iniciais e mesmo durante a sua operação para contribuintes dos impostos ICMS e
IPI que possuem porte econômico e estrutura administrativa à altura das
exigências estipuladas na legislação. Para os contribuintes como os do SIMPLES
NACIONAL, por evidente, que por presunção legal não possuem tanto o porte
quanto à organização necessária, a obrigatoriedade deveria ser mitigada com,
possivelmente, sua dispensa nessa fase de início de utilização, ou com a
atuação efetiva da administração no auxílio do cumprimento das obrigações,
sendo considerada facultativa a sua adesão à NF-e quando estruturada a empresa
para tanto e quando o mercado de produtos e serviço próprios para atender a
essa demanda legal atingisse massa crítica. Não foi o caminho nacionalmente
adotado. Contribuintes do SIMPLES NACIONAL, com portes modestos podem vir a ser
incluídos entre os obrigados, conforme o CNAE.
O Estado de
Pernambuco foi pioneiro na instituição da escrituração fiscal digital com a criação
do Sistema de Escrituração Fiscal – SEF. O SEF, já em 2003, prevê a
autenticidade e inalterabilidade da escrituração elaborada através do sistema
de Chaves Públicas da ICP- Brasil, em conformidade com a MP 2.220/01. A sua
implantação observou a estratégia de ser instituído por lei, incluir os
contribuintes com capacidade administrativa para adoção do sistema, elaboração
e oferecimento de software oficial, gratuito e de ampla distribuição pela
internet, para elaboração da escrituração.
Atualmente, o SEF
continua o seu desenvolvimento na SEFAZ/PE para adotar, entre outras, a emissão
de documento fiscal digital tendente a abolição completa do uso do papel. Esse
sistema também deve ser aperfeiçoado pela contribuição das empresas e outros
interessados na tributação eficiente e menos onerosa.
O estabelecimento
de obrigações acessórias dos impostos sobre o consumo em ambiente digital
resulta no natural acompanhamento da administração tributária dos avanços da
tecnologia da informação. A evolução nesse sentido é bem evidente e consenso
entre todos os agentes envolvidos.
A organização dos
sistemas tributários utilizando-se dos processos digitais é encargo e
prerrogativa das pessoas jurídicas de direito público que possuem a competência
constitucional para instituir seus respectivos tributos. A tributação assim
estruturada precisa igualmente respeitar os direitos dos contribuintes à
isonomia e ao equilíbrio da concorrência, à segurança de suas atividades
econômicas e a uma reduzida oneração no cumprimento de suas obrigações fiscais.
FALCÃO, Alberto da Câmara Lima. A
empresa e a tributação digital. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.
2970, 19 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/19802>. Acesso em: 5 set. 2011
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