No Brasil, grupos de agentes
armados viajam pelo país de helicóptero, arrombam portas e inspiram medo em
quem viola as leis. Mas eles não são policiais, e sim fiscais da Receita
Federal.
A agência tributária brasileira,
que ganhou fama mundial por suas táticas duras e criativas, é uma das mais
importantes ferramentas para a economia nacional em 2012. A presidente Dilma
Rousseff conta com o talento antissonegação dos fiscais para ajudar seu governo
a cumprir ambiciosas metas orçamentárias sem sufocar a atividade econômica, que
se tornou repentinamente frágil.
O “Leão”, como é conhecida a
Receita, emprega inúmeros métodos contra a sonegação. Isso inclui de operações
armadas a medidores nos tonéis das cervejarias para assegurar que indivíduos e
empresas declaram – e pagam – tudo o que devem ao governo.
Operações recentes tiveram nomes
como “Pantera Negra” e “Delta”, geralmente mais associados a atividades de
forças especiais do Exército. A Receita chega a usar helicópteros para avaliar
se imóveis de milionários são compatíveis com as suas declarações de renda.
Ninguém está imune. A própria
presidente Dilma foi submetida a uma rápida investigação em 2009, quando era
ministra no governo Lula, por causa do que disse ser um erro inocente no
preenchimento da declaração de Imposto de Renda.
Os métodos da agência, junto com
os impostos elevados e extremamente complexos, causam resmungos entre alguns
brasileiros. Eles citam as deficiências na estrutura, na educação e em outros
serviços públicos como sinal de que a população não está recebendo o suficiente
em troca do dinheiro entregue aos cofres públicos.
Mas outros expressam admiração
por essa rara história de sucesso na arrecadação tributária da América Latina.
“Quando se trata de arrecadar impostos, os brasileiros são realmente bons.
Estão provavelmente entre os melhores do mundo”, disse Ítalo Lombardi, analista
da Standard Chartered em Nova York.
Superávit Primário
Dilma precisará, de fato, de todo
o talento dos fiscais para um ano que está se revelando surpreendentemente
difícil para a economia brasileira.
O governo dela está comprometido
neste ano com um superávit primário (o que sobra nos cofres públicos antes do
pagamento de dívidas e juros) em torno de R$ 139 bilhões.
Essa meta é acompanhada de perto
por investidores, pois sinaliza se o governo está ou não injetando dinheiro
demais na economia. Ficar abaixo da meta pode ser prenúncio de inflação
elevada, o que por sua vez afeta toda a agenda de Dilma, inclusive sua luta por
juros mais baixos.
É claro que há duas formas de equilibrar
um orçamento, e Dilma pode atingir parte da meta reduzindo os gastos públicos.
Mas autoridades dizem que ela reluta em cortar demais, por medo de afetar uma
economia que demonstra sinais de estagnação desde meados de 2011. Na verdade,
Dilma já anunciou algumas desonerações tributárias para tentar reanimar a
economia.
Isso significa que o cumprimento
da meta orçamentária dependerá principalmente de mais uma atuação brilhante da
Receita, que conseguiu elevar a arrecadação tributária em 10,1% no ano passado,
quando a economia cresceu apenas 2,7%.
Até agora, tem dado certo. No
primeiro trimestre, o governo conseguiu economizar quase um terço do superávit
primário previsto para o ano todo. A arrecadação tributária cresceu mais de 7%
em relação ao mesmo período de 2011.
De olho em todo mundo
Um dos segredos para esses
resultados, segundo as autoridades, é a disposição da Receita em ignorar o
status social e as conexões políticas num país onde essas coisas costumam
colocar a elite acima da Justiça e de outros inconvenientes.
“O papel da fiscalização da
Receita é dizer aos contribuintes: estamos de olho, faça o correto”, disse Caio
Cândido, subsecretário de fiscalização da Receita, em entrevista à Reuters.
Os fiscais também têm fama de
fazerem tudo corretamente. Os casos de corrupção são poucos e infrequentes, num
forte contraste com a avalanche de denúncias contra funcionários das polícias e
de outras instituições.
Autoridades do Chile, da Tanzânia
e até da China já vieram ao Brasil estudar o que torna a Receita tão eficaz.
Acredita-se que vários países da
América Latina, como México e Paraguai, percam até metade da sua arrecadação
tributária potencial por causa da sonegação e da má fiscalização. Já no Brasil,
a estimativa é de uma evasão de 16%, segundo o Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário (IBPT), uma entidade privada.
A taxa é elevada em comparação a
alguns países do norte da Europa, segundo especialistas, mas muito melhor do
que na média das nações emergentes.
A entidade Integridade Financeira
Global, que tem sede em Washington e promove a transparência fiscal, estima que
a evasão média no Brasil entre 2000 e 2009 tenha ficado abaixo da ocorrida na
China, Índia, Rússia e África do Sul -os outros países que formam o grupo de
nações emergentes conhecidas coletivamente pela sigla Brics.
CPF na nota?
Mais de 25 milhões de brasileiros
declaram Imposto de Renda. Isso é menos de um quarto da população
economicamente ativa, o que ocorre porque a maioria das pessoas no país tem
renda anual inferior R$ 18.799,32, valor a partir do qual o imposto começa a
incidir.
Grandes casos envolvendo pessoas
físicas viram notícia, mas a maior parte do dinheiro vem do acompanhamento
rigoroso das empresas, que respondem por mais de metade da arrecadação
tributária no Brasil.
É aí que entram a tecnologia e a
capacitação humana. Equipes de auditores e procuradores são mobilizadas o ano
todo para analisar os livros contábeis das companhias.
Everardo Maciel, que como
secretário da Receita ajudou a modernizar o órgão na década de 1990, disse que
a instituição arrecadadora brasileira esteve entre as primeiras do mundo a
adotarem a Internet como ferramenta de trabalho.
A Receita tem cerca de 12 mil
fiscais espalhados pelo Brasil, e suas tarefas vão de monitorar as declarações
de impostos de milionários à perseguição a contrabandistas que passam pelas
fronteiras carregando de cocaína a brinquedos chineses.
O governo também tem conseguido
incutir entre os brasileiros hábitos que contribuem para o combate à sonegação.
Em supermercados e outros estabelecimentos varejistas, os clientes sempre
escutam a pergunta: “CPF na nota?”.
Quem registra a compra com o seu
número no cadastro de pessoa física tem direito a um reembolso parcial do ICMS,
e ajuda o governo a ter uma avaliação mais precisa sobre o movimento do
comércio.
Medidas como essa contribuíram
para que o governo cobrasse um valor recorde de R$ 109 bilhões em impostos
não-pagos por pessoas físicas e jurídicas no ano passado. Entre os acusados de
pagamento a menos estão gigantes globais como a mineradora Vale.
Muitos processos tributários
levam anos para tramitarem nos tribunais, mas só no ano passado a Receita
conseguiu garantir o pagamento de R$ 18 bilhões em impostos atrasados.
Impostômetro
Mas alguns brasileiros veem
explicações menos nobres para a eficiência da Receita – para eles, trata-se de
um reflexo do apetite praticamente insaciável do governo por dinheiro.
A arrecadação fiscal representa
cerca de 35% do PIB brasileiro, o que está acima de outros países emergentes, e
mais próximo das cifras europeias. Mas os serviços públicos oferecidos em troca
não têm nada de europeus, já que estradas, escolas e polícia continuam sofrendo
de carências até mesmo pelos padrões latino-americanos.
Segundo uma pesquisa CNI-Ibope
feita em abril, 65% dos brasileiros reprovam a política tributária do governo.
Essa irritação se reflete também em sites como o “Hora de Agir” ou o “Dieta do
Impostão”.
“A arrecadação no país é muito
alta, mas por que a aplicação desse dinheiro não é tão eficiente quanto a arrecadação?”,
questionou Gilberto Luiz do Amaral, coordenador de estudos do IBPT.
Amaral é o idealizador do
“impostômetro”, um site com estimativas em tempo real sobre o quanto o governo
está arrecadando, acompanhadas de títulos como “Isso daria para comprar 6
milhões de ambulâncias”.
E os impostos são não só elevados
como também complexos. O Brasil está em 150º lugar (num total de 183 países) em
termos de simplificação tributária, segundo o ranking Fazendo Negócios, do
Banco Mundial. A preparação das declarações tributárias no Brasil leva quase
sete vezes o tempo médio do resto da América Latina, segundo o Banco Mundial.
As leis tributárias são
complicadas e mudam sempre. Advogados estimam que uma nova regra fiscal seja
criada mais ou menos a cada sete semanas.
Dilma diz estar a par do
problema. Ela prometeu melhorar a qualidade dos gastos públicos e buscar uma
redução da carga tributária.
Em pronunciamento pela TV na
semana passada, a presidente disse que o governo vai procurar utilizar os
recursos públicos “sempre de forma eficiente e honesta, para que a população
sinta, da forma mais efetiva possível, o retorno do imposto que paga”.
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Compartilhando idéias e experiências sobre o cenário tributário brasileiro, com ênfase em Gestão Tributária; Tecnologia Fiscal; Contabilidade Digital; SPED e Gestão do Risco Fiscal. Autores: Edgar Madruga e Fabio Rodrigues.