Há tempos, percebe-se no Brasil um excessivo número de normas tributárias inseridas em nosso sistema pelo Poder Legislativo — incluindo as medidas provisórias editadas de forma desmedida pelo Poder Executivo —, as quais, por vezes, carregam em si antinomias normativas e possíveis vícios de inconstitucionalidade oriundos, muitas vezes, da atecnia do legislador, levando os contribuintes a questioná-las perante o Poder Judiciário.
Um estudo feito em outubro de 2013 pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação[1] evidencia o excesso das normas tributárias. Segundo os dados da pesquisa, desde a promulgação da atual Constituição Federal, foram editadas 29.939 normas tributárias federais, 93.062 normas tributárias estaduais e 186.146 normas tributárias municipais, representando 31 normas tributárias editadas por dia, ou 1,29 por hora. Além disso, calculou-se que as empresas teriam que observar 3.512 normas tributárias.
Parece-nos que as alterações normativas relativas à base de cálculo do PIS e da Cofins, em pauta, são um bom exemplo disso.
Em questão, destacamos a Lei 12.973/2014, fruto da conversão da Medida Provisória 627/2013, que alterou diversas disposições legislativas que tratam do PIS/Pasep e da Cofins, especialmente o artigo 12 do Decreto 1.598/77; o artigo 3º da Lei 9.718/98; e o artigo 1º e seus parágrafos 1º e 2º, das leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Dentre tais alterações, põe-se em destaque, primeiramente, o que está estabelecido no artigo 3º da Lei 9.718/98. Segundo esse dispositivo, o faturamento compreende a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/97. Observe que, após as alterações feitas pela Lei 12.973/2014, o faturamento não mais corresponde à receita bruta, mas compreende, o que, para nós, constitui diferença importante.
Não fosse o estigma que carrega a Lei 9.718/98 — decorrente das amplas discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do inconstitucional alargamento da base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins, vale dizer, brilhantemente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal[2] —, acreditaríamos, num primeiro momento, que a referida alteração teria o condão apenas de facilitar o processo legislativo. Porém, pelo que se denota, não foi esse o objetivo, especialmente se tomarmos em conta que a redação original do artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/97 (antes das alterações realizadas pela Lei 12.973/2014) era constituído pelo seu caput e parágrafos 1º, 2º e 3º[3].
Aliás, as redações originais estavam em linha com o que fora decidido pela nossa corte constitucional quanto ao já referido alargamento inconstitucional da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Enfim, bastaria, a nosso ver, que o legislador inserisse no próprio artigo 3º o que compreende a receita bruta. No entanto, optou-se pela inserção de sete incisos e dois parágrafos num decreto-lei dos idos de 1977, editado num período totalitário em que os objetivos fiscais do Estado era o que prevalecia, ou seja, o interesse da arrecadação em detrimento às garantias fundamentais do cidadão.
E aqui chegamos num outro ponto de interesse das alterações legislativas de que estamos tratando. Reza o parágrafo 5º do artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/1977 que na “receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4º”.
Não pretendemos com este singelo artigo afirmar o óbvio, ou seja, que o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre o conceito de faturamento e que a parcela do ICMS não pode ser base de incidência da Cofins, muito menos do PIS, pois, “não revela medida de riqueza apanhada pela expressão contida no preceito da alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal” (trecho do voto proferido pelo ministro Marco Aurélio, quando do julgamento do RE 240.785/MG).
Na realidade, ressaltamos, em nosso entendimento, que as alterações normativas promovidas pela Lei 12.973/2014 pretendem apenas dar foros de legalidade à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. O que antes, mesmo não sendo previsto, já era considerado por muitos, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência, totalmente ilegal e inconstitucional.
Evidentemente, a pretensão de conferir dita legalidade via alteração normativa é totalmente equivocada, já que é inadmissível que um ato ou fato contrário ao direito desde a sua origem, vale dizer, incompatível com a Constituição Federal, possa se legalizar ou constitucionalizar quando da sua positivação. A questão aqui é bem simples: se se considera inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, a previsão em norma infraconstitucional dessa inclusão não a torna constitucional, inobstante ser, a priori, legal.
Embora não se espere modificação da posição da suprema corte sobre o conceito de faturamento e a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, mas, havendo eventual alteração de orientação, em respeito ao princípio da segurança jurídica, deve ser rigorosamente fundamentada e feita de maneira estruturada. É como afirma Humberto Ávila:
“(…) A vinculação aos precedentes judiciais é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões, salvo se houver uma justificativa para a mudança de orientação, a ser devidamente objeto de mais severa fundamentação. Ele (o Poder Judiciário) pode mudar, desde que o faça de maneira estruturada ou suave, graças ao dever de respeito às decisões anteriores e à necessidade de freios à mudança. O princípio da segurança jurídica serve, precisamente, de critério para nortear essa avaliação”[4].
Assim, como se voltássemos à boa e velha discussão do conceito de faturamento e receita bruta travada anos atrás, resta aguardar que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região[5], especialmente, o Supremo Tribunal Federal considere inconstitucional o parágrafo 4º do artigo 12 do Decreto-Lei 1.598/77, pois, conforme Hugo de Brito Machado (citado no acórdão do RE 240.785/MG), “a lei ordinária que redefina conceitos utilizados por norma constitucional, alterando, assim, a Lei Maior, afasta a supremacia desta”.
Por Rogério Hideaki Nomura
Fonte: ConJur
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