Pular para o conteúdo principal

Impostos, um enigma

Beremiz, protagonista do best-seller de Malba Tahan, estava viajando pelo deserto de carona no camelo de seu amigo quando encontrou três irmãos discutindo sobre a divisão da herança de 35 camelos. Segundo o testamento, o filho mais velho deveria receber a metade, ao irmão do meio caberia um terço e o caçula ficaria com a nona parte dos animais. Nenhuma divisão que tentassem satisfazia os herdeiros, pois as terça e a nona partes de 35 também não são exatas.
Para resolver a disputa, “o homem que calculava” pediu emprestado o camelo do amigo, propôs uma divisão dos agora 36 camelos da seguinte forma: o mais velho, que deveria receber 17 e meio, ficou com 18; o filho do meio ganharia pouco mais de 11 camelos, ficou 12; o mais moço, em vez de herdar 3 camelos e pouco, ganhou 4. Briga resolvida! Como a soma 18 + 12 + 4 dá 34, Beremiz devolveu o camelo de seu amigo, e ficou com o que sobrou.
Atualmente, no Brasil, há uma celeuma entre “irmãos” acerca da Lei 12.741/2012, que obriga as empresas a demonstrar os valores dos impostos embutidos em suas compras. Especialistas apresentam a complexidade tributária do nosso sistema como fator impeditivo para execução adequada da lei. A norma deixa claro, porém, que podem ser divulgados números aproximados, obtidos a partir de indicadores fornecidos por instituições especializadas e idôneas.
Jacques Veloso, presidente da Comissão de Assuntos Tributários e Reforma Tributária da OAB/DF, ressalta, com razão, que “muitos ainda não entendem sobre a polêmica lei é que o texto da norma não trata da carga tributária incidente naquela operação de venda, mas sim da totalidade dos tributos que influenciaram a formação daquele preço”.
Então, como calcular os impostos que influenciaram a formação do preço dos produtos em um sistema que apresenta 54 alterações normativas por dia? E, mesmo que não houvesse essa legislorragia tributária, a confusão é tamanha que temos nada menos que 11.157.749 milhões de combinações de regras e alíquotas que variam conforme 14.982 classificações de produtos, 1.192 de serviços e 1.327 de atividades econômicas. Para piorar, mesmo que tudo isso fosse muito simples, vários tributos são cumulativos. Assim, em cada etapa produtiva são acrescidos impostos nas matérias-primas e serviços que compõem os produtos.
Paradoxalmente, são interessantes os números da inflação. Há dezenas de indicadores que medem o aumento dos preços no Brasil. O valor acumulado nos últimos 12 meses, por exemplo, do IPC (Fipe) aponta 4,92%, o IGP-M (FGV), 5,18%; o IPCA (IBGE), 6,27%; o ICV (Dieese), 6,64%; e o INCC-DI, 7,8%.
Qual deles mede com precisão a inflação da sua família? E a da sua empresa? Na prática, a diferença entre o menor e o maior é de 2,88 pontos percentuais, o que representa 59% de diferença!
Dada a impossibilidade de uma mensuração exata da inflação em cada lar brasileiro, os institutos usam ferramental estatístico. O mesmo raciocínio é válido para uma infinidade de parâmetros que utilizamos, sem questionamentos, como a popularidade da presidente, por exemplo.
Retornando à questão tributária, a tentativa de cálculo exato da carga tributária para cada operação comercial é inócua e inexequível. Sem a utilização dos fundamentos e técnicas matemáticas não há como aplicar o direito, nem a tecnologia tributária. Hoje, uma das raras instituições que divulgam índices para atender à Lei 12.741 é o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que coloca à disposição uma lista gratuita contendo a carga tributária de 12 mil itens, ajudando a todos que desejem cumprir a lei com o mínimo de custo.
Apesar de possíveis dificuldades, a importância da informação sobre os impostos é reconhecida por quase todos. Segundo pesquisa Ibope solicitada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), 90% dos brasileiros são favoráveis à Lei 12.741.
Enfim, é preciso que as entidades empresariais e institutos de pesquisa elaborem indicadores tributários considerando as realidades regionais e setoriais para que os consumidores tenham informações mais precisas.
Afinal, para termos garantida a transparência tributária, segundo a Constituição Federal, precisamos do apoio da estatística. Malba Tahan nos ensinou, com as histórias de Beremiz, que a matemática é uma excelente aliada para colocarmos em prática nossos direitos, evitando longos debates de pouca utilidade prática.
Por Roberto Dias Duarte

Fonte:www.robertodiasduarte.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sonegação não aparece em delação premiada, mas retira R$ 500 bi públicos

Empresário que sonega é visto como vítima do Estado OS R$ 500 BILHÕES ESQUECIDOS Quais são os fatores que separam mocinhos e vilões? Temos acompanhado uma narrativa nada tediosa sobre os “bandidos” nacionais, o agente público e o político corruptos, culpados por um rombo nos cofres públicos que pode chegar a R$ 85 bilhões. Mas vivemos um outro lado da história, ultimamente esquecido: o da sonegação de impostos, que impede R$ 500 bilhões de chegarem às finanças nacionais. Longe dos holofotes das delações premiadas, essa face da corrupção nos faz confundir mocinhos e bandidos. O sonegador passa por empresário, gerador de empregos e produtor da riqueza, que sonega para sobreviver aos abusos do poder público. Disso resulta uma espécie de redenção à figura, cuja projeção social está muito mais próxima à de uma vítima do Estado do que à de um fora da lei. Da relação quase siamesa entre corrupção e sonegação, brota uma diferença sutil: enquanto a corrupção consiste no desvio ...

A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO CONTADOR NO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL

O ordenamento jurídico prevê diversos crimes tributários e, dentre eles, o delito de sonegação fiscal, consoante o art. 1º, da Lei 8.137/90, verbis : Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a leg...

O SPED e as Empresas Gabrielas

Neste ano, muitas empresas enfim conhecem com mais profundidade o que o fisco digital deseja: informação detalhada! E conforme passa o tempo, o governo aperta o cerco informacional. Ele tem sido muito exigente, e deve ser, mas não considera a revolução que isto causa nas empresas. Não está escrito ‘como se adequar’ em nenhum guia prático ou norma legal. Este contexto vem evoluindo desde 2001, com a IN 2.200-2, momento em que a tão importante certificação digital foi anunciada, para pouco mais de 10 anos depois, ser pré-requisito de regularidade fiscal. Mas e os processos empresariais, que são a fonte da informação?!  É onde, caro leitor, as Empresas Gabrielas urgem com toda força. O engessamento de processos inadequados, que por conta do que nível de detalhes e a origem da informação, justificam em si, o próprio problema da organização. A geração da informação tem sido dificultada, e além do fator fiscal, os reflexos estão na vantagem competitiva. Quem trabalh...