Segundo especialistas, setores econômicos se opõem à mudança, por temerem aumento de alíquotas sobre seus produtos e serviços
Existe consenso sobre a necessidade de se fazer uma reforma tributária no País, e até sobre algumas das principais medidas que precisam ser tomadas. O problema, quando se vai da teoria para a prática, são setores econômicos que se beneficiam de exceções e de regimes especiais, que temem perder essas vantagens num momento de mudança.
"A complexidade tributária existe porque é benéfica para algum setor", disse Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e atual diretor vice-presidente do Insper, durante o evento Fóruns Estadão Brasil Competitivo: Uma agenda tributária para o Brasil, uma iniciativa do Grupo Estado com o patrocínio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que aconteceu na terça-feira. "A tradição brasileira é de concessão indiscriminada de benefícios a todos nós. É a meia entrada."
"O sistema tributário brasileiro não é simples, não é equânime, não é estável e não é transparente", apontou Bernard Appy, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda e diretor de Políticas Públicas e Tributação da LCA Consultores. Ele acrescentou que quase 5% do Produto Interno Bruto (PIB) da indústria de transformação no Brasil é dedicado a questões tributárias.
"O sistema tributário é uma colcha de retalhos que induz à alocação ineficiente dos fatores de produção" afirmou Appy. "No lugar de termos um sistema tributário, temos um sistema tributário para cada setor."
Quando ainda estava no governo, Appy foi o autor da proposta mais recente de reforma tributária, que acabou não indo para frente. Segundo ele, a proposta não avançou porque "tentamos fazer um grande Big Bang tributário", que unificou resistências dos agentes econômicos. Na sua avaliação, talvez tenha faltado vontade política dos entes da Federação para viabilizar tais mudanças estruturais.
Na opinião do gerente executivo de Políticas Econômicas da CNI, Flávio Castelo Branco, para que a reforma tributária seja realizada no Brasil é necessária a ação de "uma liderança política mais forte", especialmente vinculada ao governo federal. "A reforma tributária deve sair do Ministério da Fazenda e ir para uma esfera superior."
Já Marcos Lisboa não vê falta de vontade política para a reforma tributária. "O problema começa com o setor privado, porque cada um tem uma regra especial, mas, quando se entra no detalhe, a reforma para na própria sociedade, nos próprios segmentos que têm essas regras específicas", afirmou.
"Tem o Brasil que paga 20% de spread (diferença ente os juros efetivos e a taxa básica do Banco Central) e os que pagam 3%. A média é 11%. A reforma tributária não anda porque quem paga menos não quer. Vamos todos pagar o mesmo preço da entrada?", questionou.
Incerteza. A complexidade do sistema tributário brasileiro traz insegurança jurídica. "Isso prejudica diretamente os investimentos e a geração de emprego", comentou Bernard Appy. "Provavelmente, o Brasil é o país campeão mundial em contencioso tributário." Segundo Appy, o contencioso administrativo federal responde por 11% do PIB do País.
Maurício Dantas Bezerra, diretor jurídico da Odebrecht Ambiental, classificou a legislação tributária brasileira como imprecisa, vaga e ambígua. "O contribuinte tem 30 dias para interpretar essa legislação, enquanto o fiscal tem cinco anos", disse o executivo. Ao final de sua apresentação no evento, Bezerra mostrou a imagem de um toureiro cara a cara com o touro. "Temos de deixar de tourear os problemas. Precisamos encarar o touro de frente", completou.
Gastos. O secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Renato Villela, afirmou que a reforma tributária no País necessita discussão e redução do gasto público. "No Brasil, há a síndrome do policymaker preguiçoso", destacou.
Ele explicou que essa prática significa que há autoridades responsáveis por políticas públicas que gostam de ter vinculações de receitas obrigatórias, pois assim acreditam que os problemas de um determinado setor estariam resolvidos. "Isso ocorre, por exemplo, no caso da dedicação de 25% dos recursos para a educação", comentou Villela. "A vinculação tributária precisa ser repensada. Ela não poderia ser definitiva no tempo. Poderia valer por cinco anos.
Ricardo Leopoldo e Fátima Laranjeira - O Estado de São Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo.
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