Para evitar dores de cabeça e até mesmo o rompimento de amizades, especialistas sugerem a elaboração de um bom contrato social
Quando Everton Pinheiro, 31 anos, convidou um novo sócio para a empresa de produção de eventos que ele havia criado, o designer gráfico não imaginava que o término da sociedade, três anos depois, traria tantos problemas. “Houve momentos muito bons, mas há desgastes e divergências que só se descobre com a convivência: opiniões diferentes, as decisões com as quais o outro não concorda, a forma de lidar e falar com o outro… Meu ex-sócio não queria a dissolução e, por quase seis meses, dificultou o diálogo para resolver o término. Eu já estava esgotado e, em uma conciliação com advogados de ambas as partes, o caso finalmente foi resolvido. Caso eu abra outro empreendimento, não farei sociedade, por causa da dificuldade que foi romper e por querer evitar passar por isso novamente”, desabafa Everton.
Apesar do suor e da expectativa empregados no negócio, não há sociedade eterna: chega o dia em que a empresa, se não fecha, é vendida — por falecimento, má gestão, relacionamento desgastado dos sócios ou visões de negócio muito distintas. No caso de Everton, além da alta concorrência do mercado, a fina linha que divide a vida pessoal da vida profissional contribuiu para o desgaste da relação. “Ele questionava o porquê de eu dirigir um Punto em vez de comprar um Uno; o porquê de eu comprar roupa na Zara se na C&A gastaria menos. Dizia que eu não deveria gastar de determinado modo porque podia chegar um momento em que seria preciso tirar mais dinheiro da empresa; mas esse tipo de intromissão não cabe a um sócio”, critica.
Passou por situação semelhante o consultor de empresas Daniel Portilho, 25 anos, que fez sociedade nas três empresas que abriu. “O fato de não me vestir parecido com um de meus ex-sócios era uma afronta para ele; eu ia de terno e gravata, e ele de jeans. Faltou maturidade para entender que ele era meu sócio e que o jeito como me vestia não o diminuía como pessoa”, diz. Para Portilho, o principal desafio em uma sociedade é alinhar as expectativas dos participantes com o projeto e conciliar os papéis de cada um dentro dele. “Nas três empresas, fui o sócio majoritário, o principal investidor e idealizador. Quando o negócio começa a andar, às vezes, um sócio fica mais operacional que o outro, então começa a disputa de egos. Independentemente do papel de cada sócio, um não é melhor que o outro, as competências se complementam”, defende.
Negócios à parte?
A exemplo de muitas sociedades, o restaurante Nosso Mar começou com um grupo de amigos. “Eu morava com um médico e saíamos muito para beber. Certo dia, em um barzinho de esquina na 115 Norte, combinamos de montar o próprio bar com mais dois sócios”, lembra Carlos Henrique Pinheiro, 63 anos, mais conhecido como Carlinhos. Ao longo de 29 anos de existência, o restaurante teve cerca de um sócio para cada ano de atividade — em torno de 30 associados. Hoje, no comando do empreendimento, restam somente Carlinhos e a esposa Soraia Maria de Oliveira.
Apesar da boa relação dos amigos em mesas de bar, logo surgiram problemas comuns a qualquer sociedade. “Um tem uma ideia, o outro quer fazer de outra maneira; alguns tinham emprego e não podiam priorizar o restaurante, então foram saindo enquanto entravam outros sócios. Abrimos cotas para mais de 20 jornalistas, pois um levava outro e enchiam o restaurante. Eu, que tinha mais experiência, vi que não daria certo, mas, pelo bem da sociedade, achei melhor concordar. Não foi para a frente porque o restaurante vivia em função da sociedade, não dava lucro. O grande sufoco foi comprar as cotas mínimas dos sócios jornalistas. Depois ficamos só eu e mais outro associado. Há 10 anos, ele se mudou para a Bahia, e fiquei sozinho, até que minha mulher se aposentou e passei 20% para ela”, conta.
Quando amigos se tornam sócios, existe o risco de o relacionamento sofrer rupturas ou mesmo de ir por água abaixo. Foi o caso de Guilherme Zelenovsky, 25 anos, que abriu duas empresas com um grande amigo. “A própria sociedade acabou com os laços de amizade, pois ele não soube separar o lado pessoal do profissional.” Apesar do risco de amizades se desfazerem, Zelenovsky, que chegou a iniciar um terceiro empreendimento com um desconhecido, ainda acredita que esse tipo de sociedade seja mais vantajoso. “Quando o sócio é amigo, não é possível prever se a amizade vai interferir no lado profissional, mas há confiança — algo que leva tempo para ser construído. Já quando não se conhece a outra pessoa, não dá para saber o que esperar: acaba sendo um tiro no escuro”, diz.
Sem traumas
De acordo com o especialista em direito empresarial Gildásio Pedrosa, quando um dos sócios deixa a sociedade, é preciso estabelecer a quantia que deve ser paga a ele ou quanto ele tem de assumir de prejuízo. Essa saída, porém, pode não ser amistosa. “A ausência de regras preestabelecidas se torna fonte de conflitos. Quando há desentendimentos, quem deixa a sociedade quer levar o máximo possível, e quem fica não quer dar nada. Sem um consenso sobre valores, entra-se com ação judicial para apurar quanto valem a sociedade e a participação do associado.”
Para facilitar um término pacífico, esse momento deve ser pensado no surgimento da parceria, por meio de um contrato social — documento que estabelece direitos e obrigações a membros de uma sociedade — bem-elaborado. Segundo Pedrosa, ambas as partes devem estabelecer, por escrito, como será a avaliação das cotas. “Há negócios que são dependentes da reputação de determinado sócio”, comenta. No preparo do contrato social, é recomendada a contratação de consultoria especializada para a elaboração do documento de maneira específica. “O empresariado não gosta de burocracia e tem tendência à informalidade. Então, há um ‘copia e cola’ de contratos sociais; não há planejamento para o caso de um dia a parceria dar errado”, afirma.
Não é porque a sociedade não foi para frente que a empresa também tem de desandar. Na hipótese de negócios tocados por apenas dois sócios, o vice-presidente de fiscalização do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Luiz Fernando Nóbrega, apresenta dois caminhos. “Para que a sociedade permaneça, um terceiro indivíduo entra e compra as cotas daquele que sai ou fica apenas um sócio e a sociedade se torna unipessoal — o que é permitido pelo prazo de seis meses.”
Rápida conclusão
Nóbrega explica que, quando há consenso sobre a dissolução, a situação é semelhante ao fechamento de uma empresa. “É preciso se certificar de que a companhia possui regularidade fiscal em diversas instâncias. Há muitas empresas que não se encerram formalmente; elas simplesmente param de funcionar e deixam de cumprir obrigações, o que gera pendências e multas, virando um círculo vicioso e atrapalhando o fisco.” No Distrito Federal, o Portal Empresa Simples, da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, funciona desde outubro de 2014 e visa facilitar os processos de abertura e de fechamento de empresas ao unificar os dados das juntas comerciais do país. “Antes, a sociedade precisava comprovar, em todos os órgãos com os quais se relacionou, que estava sem dívidas. Agora, isso pode ser transferido a um dos sócios, e o negócio pode ser encerrado sem esse emaranhado de certidões negativas”, observa Nóbrega.
Passo a passo do rompimento
Segundo Marcio Manincor, consultor de empresas e membro da Sociedade Brasileira de Coaching, o momento ideal de se preocupar com o encerramento de uma sociedade é na formação dela. “A melhor forma de fazer isso é por meio do contrato social com cláusula de saída, em que se estabelece que situações levam a esse rompimento e como serão calculados os valores das cotas. Sem essa cláusula, os problemas têm de ser resolvidos em conversas, o que não constuma ser agradável.” Manincor recomenda uma alternativa utilizado nesse tipo de contrato chamada de golden share. “Esse recurso permite que o sócio que está saindo defina os preços das próprias cotas. Se o associado quiser pagar por elas, as compra; caso não queira, o que definiu os preços compra as do outro por aquele valor.”
A partir do momento em que ficou definido o rompimento, as etapas seguintes devem ser feitas em conjunto e com transparência:
Definir prazos para o processo de ruptura
Definir se a empresa será fechada ou vendida para um dos sócios ou para novo investidor
Encerrar as atividades com cada cliente e comunicá-lo. Caso a empresa comercialize produtos, pode não ser necessário comunicar o cliente porque produtos possuem marca própria
Divisão de ativos — direitos e valores a serem recebidos — e passivos — obrigações e dívidas a serem quitadas — entre os sócios
Fonte: Clipclipping.
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Compartilhando idéias e experiências sobre o cenário tributário brasileiro, com ênfase em Gestão Tributária; Tecnologia Fiscal; Contabilidade Digital; SPED e Gestão do Risco Fiscal. Autores: Edgar Madruga e Fabio Rodrigues.