Há novidades na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Após forte demanda dos contribuintes, o STF aceitou modular os efeitos da decisão de inconstitucionalidade das normas concessivas de incentivos fiscais de ICMS sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Na prática, sinalizou pela desnecessidade de os contribuintes recolherem, retroativamente, todos os tributos exonerados por meio das referidas normas de incentivo. Melhor explicando:
Órgão Pleno do STF julgou (ADI 4.481) inconstitucional o dispositivo da Lei 14.985/2006–PR que traz benefícios fiscais no âmbito do ICMS. O fundamento está no artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea g, da CF/88, associado à Lei Complementar 24/75: tratando de ICMS, a concessão de incentivos será válida apenas se previamente acatada pelo Confaz.
Mas nada disso é novidade. A regra constitucional que condiciona a validade dos benefícios à deliberação do Confaz está assentada e é, há muito, aceita por doutrina e jurisprudência. Se dúvidas houvessem quanto ao entendimento do STF, elas cessaram em junho/2011, quando diversos recursos sobre o tema foram julgados, em todos declarada a inconstitucionalidade das leis estaduais[i].
A novidade[ii], noticiada pelo STF, é de que foi determinada a modulação dos efeitos da decisão, para proteger os contribuintes que gozaram dos benefícios e que, não fosse por tal modulação, poderiam ser cobrados retroativamente dos tributos que deixaram de recolher.
Nos julgados anteriores, uma dúvida permaneceu: qual situação seria reservada aos contribuintes que gozaram dessas desonerações? Os Estados deverão exigir todos os tributos desonerados daqueles particulares? Parte da doutrina entende que isso deve ocorrer, especialmente considerando ser de conhecimento geral a inconstitucionalidade dos benefícios[iii]. O Ministério Público em alguns estados passou a mover ações para exigir tais recolhimentos.
Foi grande a apreensão dos contribuintes, ameaçados de ter contra si cobranças de tamanho gigantesco. Auditorias cobravam por definições, especialmente sobre o provisionamento de valores, inclusão de acréscimos moratórios, e o termo destes.
É claro que os argumentos dos contribuintes sempre foram fortes: obedecer à Lei não deve ser comportamento penalizado; a confiança legítima depositada no Estado deve ser resguardada; a segurança jurídica deve ser respeitada. Afinal, se nem o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) faz juízo de constitucionalidade de leis, como se exigiria este juízo dos particulares? Grande parte da doutrina sustentou tais ideias, como Fernando Facury Scaff, para quem os efeitos concretos das normas de incentivo fiscal deveriam ser preservados, “em prol da estabilidade das relações sociais”[iv]. Argumentos consequencialistas também tiveram importante papel.
Assim, a modulação dos efeitos passou a integrar o debate. Em alguns dos casos julgados em junho/2011 foram opostos Embargos de Declaração, com expresso pedido de modulação (ADIs 2.549, 3.674, 3.794 e 4.152 — destes, apenas os da ADI 3.794 foram julgados, e rejeitados: “não restaram evidenciadas razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social suficientes para ensejar a modulação dos efeitos da decisão deste Tribunal”).
Sobreveio a Proposta de Súmula Vinculante 69: “Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional”. Muitos manifestaram-se contra a Proposta, demandando especificamente a modulação dos efeitos. Mais recentemente, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal requereu oficialmente a não aprovação da PSV.
No Legislativo destacou-se o Projeto de Lei do Senado 130/2014, que “Convalida os atos normativos de concessão de benefícios fiscais e concede remissão e anistia de créditos tributários”, Projeto inicialmente simples de convalidação, mas que ganhou contornos mais complexos para, em vez de “convalidar”, autorizar o Confaz a deliberar mediante Convênio passível de aprovação com quórum inferior ao da LC 24/75. No Confaz, aprovou-se o Convênio ICMS 70/2014 (“Convênio do Convênio”), que prevê “regras que deverão ser observadas para fins de celebração de convênio que trate da concessão de remissão e anistia de créditos tributários relativos a incentivos e benefícios, fiscais e financeiros, vinculados ao ICMS autorizados ou concedidos pelas unidades federadas sem aprovação do Confaz, bem como da sua reinstituição”.
Esse é o caos institucional que se apresenta. Ou apresentava, ao menos.
A modulação dos efeitos, pelo STF, das decisões de inconstitucionalidade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS, ataca diretamente o problema. Protege a confiança legítima dos contribuintes que atuaram de acordo com as normas estaduais.
A notícia de que foi aceita a modulação dos efeitos na ADI 4.481 (consta do texto: “o relator ponderou que a lei vigorou por oito anos, e desfazer retroativamente seus efeitos teria um impacto imprevisível e injusto com relação às partes privadas”[v]), então, — é uma ótima novidade. É alentadora a numerosa parcela do empresariado, que tem renovadas suas esperanças de um desfecho que não prejudique suas finanças e proteja-lhes segurança, boa-fé e estabilidade.
Cabe aguardar não apenas a publicação do Acórdão — para que seus termos possam ser compreendidos e debatidos em detalhes pela sociedade — mas a replicação da decisão para outras normas e outros Estados, esperando-se que o STF fixe jurisprudência no sentido da necessidade da modulação.
É claro que a questão da guerra fiscal não estará resolvida. São necessárias alterações estruturais federativas e tributárias para que se avance mais nesse sentido — especialmente quanto à tão falada alteração do ICMS para o critério de destino. Mas a proteção da parte mais frágil nesse conflito entre entes federados é um bom sinal.
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[i] ADIs 3794, 2906, 2376, 3674, 3413, 4457, 3664, 3803, 2688, 4152, 3702, 2352, 1247 e 2549.
[ii] Não consideramos que a modulação de efeitos da ADI 429 trate do mesmo tema: embora efetivamente preveja modulação em caso de inconstitucionalidade da Constituição do Estado do Ceará em norma concessiva de benefício de ICMS por ausência de autorização do CONFAZ, o fundamento da modulação não é o mesmo da regra geral de que tratamos, mas está ligado à proteção da pessoa portadora de deficiência. São situações semelhantes, porém não idênticas; seus fundamentos não são coincidentes.
[iii] COSTA, Alcides Jorge. Guerra Fiscal e modulação dos Efeitos das Decisões do STF. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes questões atuais de direito tributário vol. 16. São Paulo: Dialética, 2012.
[iv] SCAFF, Fernando Facury. A Responsabilidade Tributária e a Inconstitucionalidade da Guerra Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Grandes questões atuais de direito tributário vol. 15. São Paulo: Dialética, 2011. P. 56.
[v] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287125
Por Alexandre Coutinho da Silveira
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