Nas últimas semanas, vários consultores se posicionaram acerca da irreversibilidade do entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a desnecessidade de recolhimento da segunda perna do IPI nas operações de revenda de produtos importados que não tenham se sujeitado a processo de industrialização. Empolgação profissional é importante, mas não pode ser dissociada da cautela. A prévia mensuração dos riscos deve ser justificada e quantificada, e aqui o conhecimento histórico é relevante.
A legislação tributária e a jurisprudência estão numa fase de consolidação facilmente perceptível pela redução significativa da distribuição de ações judiciais por parte dos contribuintes. Em paralelo, tivemos também o aprimoramento da atuação judicial da União Federal, dos Estados e Municípios. O ponto a ser destacado é que o desequilíbrio do começo dos anos 1990 não existe mais. A legislação continua embarafustada, realmente impraticável, mas a migração para os sistemas informatizados tem mascarado o grau de exigências desnecessárias.
A mutabilidade da orientação jurisprudencial é consequência da redução de inovações (e, portanto, concentração de foco) e melhor e progressiva atuação em juízo das respectivas procuradorias. Exemplos variados há em quantidade e qualidade. Para ficarmos nos últimos 25 anos, vale recordar a tese da correção monetária dos créditos extemporâneos de ICMS (com base na igualdade) que o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a reconhecer, mas, no final, posicionou-se contra. E também a primeira inovação sobre progressividade do IPTU na administração Luiza Erundina em São Paulo. Neste caso, o extinto Tribunal de Alçada decretou sua inconstitucionalidade, o Tribunal de Justiça sua constitucionalidade, até que no final o Supremo veio a reconhecer como indevida essa progressividade.
O Fisco consegue fazer valer sua própria interpretação, seja pelo bom argumento, seja pela força de sua articulação.
No âmbito do STJ, as modificações de entendimento no que dizem respeito às teses de prescrição intercorrente, redirecionamento das execuções fiscais, ou de prescrição simples foram bastante significativas. Quando o argumento jurídico não se mostrava suficiente, surgia alteração legislativa, como foi o caso da Lei Complementar 118, criada para permitir que a Corte revisse a contagem dos dez anos (cinco mais cinco) de prescrição em favor dos contribuintes.
A forma como foi tratada a súmula 276 do STJ, que tratava da isenção da Cofins das sociedades de profissão regulamentada (LC 70/91), demonstra a força da atuação do governo em juízo. O enunciado que facilitava a aplicação de jurisprudência consagrada foi rapidamente descartado por meio de provocação direta no STF, de modo que a Cofins voltou a ser cobrada legitimamente. Aqui, aconteceu o mesmo que tinha acontecido com os contribuintes de IPTU no exemplo anterior: alguns pagaram e outros não; alguns ganharam, outros não. O único marco certo é a coisa julgada (CF, artigo 5º, XXXVI). A jurisprudência modifica-se, o marco individual não.
A criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ou aprovação de emenda constitucional após derrota judicial para “constitucionalizar” normas declaradas inconstitucionais são exemplos de comportamentos típicos. A ADC nº 1 surgiu para consagrar a constitucionalidade da Cofins. A constitucionalização posterior se deu nos casos das taxas de iluminação pública que se tornaram uma contribuição – EC 39, de 2002 – e nos casos do ICMS devido na importação por pessoas físicas – EC 33, de 2001.
Hoje, as disputas com o Fisco não podem ser tratadas nem com ingenuidade e muito menos com simplicidade. Rescisória é algo rotineiro. Vale dizer, não basta vencer, o êxito do contribuinte deve ser convincente. A estratégia do Fisco ora articulada, ora embolada, também não precisa ser disfarçada, de modo que algumas vezes o sucesso aparece após respeitável combatividade (reiteração de embargos e agravos).
No caso recente do IPI-Revenda, a cautela que se recomenda é a típica do caso a caso, sabendo-se que a reversão de julgados desfavoráveis ao Fisco é algo rotineiro. Assim, cada consequência deve ser previamente mensurada. Hoje, o Fisco consegue criar e aprovar as regras tributárias que bem entende e quando surge discussão judicial, ainda consegue fazer valer sua própria interpretação, seja pelo bom argumento, seja pela força de sua articulação. Uma pena, porque isso coloca em xeque a própria tripartição de poderes que é incompatível com um erário que cria, executa e julga em interesse próprio as regras que origina. Daí a recomendação firme de cautela, mas não de inércia.
Por Walter Carlos Cardoso Henrique. Walter Carlos Cardoso Henrique é advogado, representante da OAB-SP no Codecon e presidente da Comissão de Assuntos Tributários do MDA.
Fonte: Valor Econômico
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