Em meio a muita polêmica sobre quebra de sigilo bancário e confidencialidade, entra em vigor hoje em todo o mundo o Fatca (Foreign Account Tax Compliance Act). Muito se discutiu sobre a implementação das regras americanas do ponto de vista das instituições financeiras, mas qual é o impacto para o investidor que vive no Brasil?
Escritórios de advocacia organizaram-se nos últimos meses para responder às dúvidas dos clientes. De início, apenas cidadãos americanos serão afetados diretamente. O brasileiro que tem rendimentos no exterior, entretanto, não deve respirar aliviado. A tendência, segundo os especialistas, é que a lupa que a Receita americana impôs sobre as contas dos estrangeiros culmine, mais à frente, em um Leão com um controle adicional sobre os rendimentos de brasileiros no exterior.
O Fatca determina que bancos e outras instituições financeiras, como gestores e distribuidores, em todo o mundo reportem informações de contas mantidas por cidadãos americanos. O que deve garantir o cumprimento da regra é a punição a quem não cooperar – a retenção de 30% de qualquer rendimento da instituição não participante e de seus clientes americanos que transitem por uma conta nos EUA.
O repasse de informações passa a ser obrigatório a partir de hoje, de forma gradual, e explica por que as instituições já têm trabalhado para se enquadrar. O governo brasileiro ainda não assinou um acordo com o americano sobre o tema, mas já entrou em consenso sobre os termos em abril. Falta o documento ser aprovado no Congresso.
Apesar da falta da assinatura solene, a Receita americana incluiu o Brasil em abril na lista de países que, pelo fato de a negociação estar avançada, pode ser visto como já tendo aderido ao Fatca.
“O radar acaba pegando muito mais gente do que o que motivou o surgimento do Fatca”, afirma Matheus Bueno, sócio responsável pela área tributária da Costa, Waisberg e Tavares Paes Sociedade de Advogados. O escritório preparou um relatório didático para informar os clientes sobre os efeitos do Fatca. A motivação primordial da Receita americana, diz Bueno, é cobrar o investidor que, de má-fé, escondeu dinheiro em outros países.
Na prática, entretanto, as regras alcançam, por exemplo, um brasileiro que nasceu nos EUA e sempre viveu no Brasil, sem nunca ter sido contribuinte americano. E também um brasileiro que tenha “green card”. “Quem está nesse alvo deve se preocupar, porque tem um mecanismo silencioso que pode colocá-lo no radar”, afirma Bueno. A recomendação dele é que quem possa de alguma forma ser considerado cidadão americano procure o gerente de sua instituição financeira para saber o que ela tem feito sobre o assunto.
Os termos do acordo entre os governos brasileiro e americano ainda não são públicos, mas a expectativa dos especialistas é que ele traga outra implicação para os brasileiros, dessa vez não somente aos que têm cidadania americana. “Pode ser que o governo brasileiro diga que, se vai abrir as portas do país para dar acesso a informações, de modo inverso, vai querer informações de brasileiros que tenham conta nos EUA. Faz todo sentido que a via inversa ocorra”, diz Fernanda Calazans, especialista em direito tributário e sócia do Velloza e Girotto Advogados, Fernanda Calazans.
A expectativa é, portanto, que o governo brasileiro passe a ter mais visibilidade de rendimentos de brasileiros recebidos nos Estados Unidos, como o ganho de capital em programas de opções de ações de que fazem parte muitos executivos ou o aluguel de um imóvel em Miami.
Hoje já existem acordos entre as receitas federais brasileira e americana que permitem o compartilhamento de informações quando solicitado. O recurso tem sido usado em situações como a de um brasileiro que cai na malha fina, se a Receita tiver suspeitas sobre seu patrimônio no exterior, afirma Roberto Justo, sócio do Choaib Paiva e Justo Advogados. “A diferença é que no Fatca isso deve se tornar automático para todos os contribuintes”, diz.
Ou seja, se o governo brasileiro pedir reciprocidade, como esperado, a vida financeira do contribuinte brasileiro nos EUA vai estar à mão a qualquer momento.
Justo espera outra implicação do Fatca, nesse caso para quem tem cidadania americana: a resistência de algumas instituições financeiras brasileiras em abrir conta no nome deles. “Elas podem preferir até perder um bom cliente para não se sujeitar a ter algum problema com os Estados Unidos”, afirma.
Sempre é tempo de ficar em dia com o Leão. O contribuinte pode se antecipar e procurar o governo americano de forma voluntária, assumindo que não pagou os impostos devidos. “Ele não vai se livrar das multas, mas evita uma percepção de crime”, diz Bueno. Esse contribuinte pode ficar atento a um eventual programa de anistia. Os que aderiram ao último deles e retificaram o imposto para os oito anos anteriores pagaram multa de 27,5% e evitaram processos criminais. Segundo Bueno, a Receita americana tem sinalizado com um programa de conformidade para um futuro próximo.
Por Luciana Seabra
Fonte: Valor Econômico via Notícias Fiscais.
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