Pular para o conteúdo principal

A Reforma Tributária

O Brasil é um país onde qualquer pequeno problema pode transformar-se numa grande paixão. Inventa (ou copia) uma ideia. Com um pouco de “bate-caixa” transforma-a num modismo. Com um pouco mais de esforço consegue-se colocá-la na Constituição. Aí pronto. Está tudo resolvido! Basta uma lei complementar para regulá-la e a Nação encontrará o caminho da felicidade. Se possível sem trabalho, como no “Pays de Cocagne”...
Talvez haja algum exagero nessa descrição. Mas não será muito. É o caso, por exemplo, do imposto sobre as “grandes fortunas”. O texto constitucional diz: “Art.153. Compete à União instituir impostos sobre: VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
O cidadão brasileiro imagina que esse item (como tudo o mais do sistema tributário) foi produto de uma longa e meditada discussão, onde se ouviram professores de finanças, historiadores, economistas etc. Está convencido de que tal “proposição” foi produto de uma análise cuidadosa das experiências de outros países: que representa a “última palavra” em termos da Justiça Tributária. Tem certeza de que os técnicos nacionais e estrangeiros convocados pela Constituinte foram ouvidos com atenção e mostraram conclusivamente que: 1) Quase todos os países estão adotando impostos sobre as “grandes fortunas”. 2) todo sistema tributário moderno apoia-se sobre esse tipo de imposto.
A verdadeira história daquele dispositivo é a seguinte: como não havia a menor certeza sobre ele; sobre o que significava; sobre o que pretendia; se era uma necessidade ou um ato de vontade, estabeleceu-se uma polêmica. Para alguns, ele parecia um “avanço”, pois um imposto sobre as “grandes fortunas” há de ser um “avanço”.
Por outro lado, não parecia tão fácil saber em que direção era o “avanço”. Logo, acordou-se o seguinte: como a Constituição não pode esperar porque o povo está lá fora reclamando que aqui não trabalhamos, vamos acolher a ideia, mas acrescentar “de acordo com lei complementar”, porque isso dará tempo para que se estude melhor a sugestão. Em poucas palavras: vamos empurrá-lo com a barriga para ver como é que fica...
É claro que um imposto sobre o patrimônio pode ser um complemento para dar maior Justiça Tributária ao Imposto de Renda. Mas é claro, também, que ele apresenta problemas graves e sua implementação é duvidosa. Não há nada que uma regulamentação adequada do Imposto de Renda não possa fazer com maior justiça e com maior eficiência.
O nível de renda pode não ser uma medida exata da capacidade de pagar. Um cidadão com uma renda de trabalho de 100 e outro com uma renda de capital de 100, obtida com um patrimônio de 1.000 não têm, claramente, a mesma capacidade de pagar, pois o patrimônio dá ao segundo maior segurança e maiores oportunidades. O que o imposto sobre o patrimônio líquido pretende é maior equidade horizontal. É por isso que nos países europeus onde ele tem tradição (Alemanha, Dinamarca, Noruega, Holanda, Suécia e França) a sua alíquota é extremamente baixa (a mais alta taxa marginal não passa de 2,5%) e a sua importância na receita geral é desprezível (em torno de 1%).
Em 1974, o Partido Trabalhista tentou implementá-lo na Inglaterra. O resultado dos estudos foi muito duvidoso: depois de um ano de trabalho, a comissão apresentou um relatório em quatro volumes com mais de 2 mil páginas e as conclusões se resumem a dois parágrafos, porque não se chegou a um consenso. O imposto foi esquecido.
A confusão aumenta quando as pessoas imaginam que o imposto sobre as “grandes fortunas” vai cumprir um papel de distribuição da propriedade, pois seu pagamento obrigará a venda do patrimônio para satisfazê-lo. O imposto sobre o patrimônio líquido não tem essa função em nenhum país em que está instituído (menos de 20). Se esse for o objetivo, o imposto será um desastre, pois teria efeitos catastróficos sobre o nível de poupança e de investimentos privados. Acabará por prejudicar o desenvolvimento econômico e, portanto, tornando os pobres ainda mais pobres. Se o objetivo for diminuir as desigualdades, o que é muito saudável e civilizado, existem meios mais eficientes para fazê-lo e que não comprometem o processo produtivo.

Por Delfim Netto

Fonte: Carta Capital via José Adriano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O sol nunca deixa de brilhar acima das nuvens

Sempre que viajo e vejo esta cena fico muito emocionado. O Sol brilhando acima das nuvens. Sempre me lembro desta mensagem: "Mesmo em dias sombrios , com o céu encoberto por densas e escuras nuvens, acima das nuvens o Sol continuará existindo. E o Sol voltará a iluminar, sem falta. Tenhamos isto sempre em mente e caminhemos buscando a luz! Quando voltarmos os nossos olhos em direção à luz e buscamos na vida somente os lugares onde o Sol brilha, a luz surgirá" Seicho Taniguchi Livro Convite para um Mundo Ideal - pág. 36 Que super mensagem Deus nos oferta.  Você quer renovar a sua experiência com Deus?  Procure um lugar quieto e faça uma oração sincera a Deus do fundo do seu coração pedindo para que a vontade dele prevaleça em sua vida. Tenho certeza que o sol da vida, que brilha acima das nuvens escuras, brilhará também em você !!!

Sonegação não aparece em delação premiada, mas retira R$ 500 bi públicos

Empresário que sonega é visto como vítima do Estado OS R$ 500 BILHÕES ESQUECIDOS Quais são os fatores que separam mocinhos e vilões? Temos acompanhado uma narrativa nada tediosa sobre os “bandidos” nacionais, o agente público e o político corruptos, culpados por um rombo nos cofres públicos que pode chegar a R$ 85 bilhões. Mas vivemos um outro lado da história, ultimamente esquecido: o da sonegação de impostos, que impede R$ 500 bilhões de chegarem às finanças nacionais. Longe dos holofotes das delações premiadas, essa face da corrupção nos faz confundir mocinhos e bandidos. O sonegador passa por empresário, gerador de empregos e produtor da riqueza, que sonega para sobreviver aos abusos do poder público. Disso resulta uma espécie de redenção à figura, cuja projeção social está muito mais próxima à de uma vítima do Estado do que à de um fora da lei. Da relação quase siamesa entre corrupção e sonegação, brota uma diferença sutil: enquanto a corrupção consiste no desvio ...

A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO CONTADOR NO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL

O ordenamento jurídico prevê diversos crimes tributários e, dentre eles, o delito de sonegação fiscal, consoante o art. 1º, da Lei 8.137/90, verbis : Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a leg...