A edição de novas normas legais e suas respectivas sanções, via de regra, decorre da evolução natural da sociedade.
Trata-se de uma consequência básica do preceito de que a todos os cidadãos é permitido fazer tudo aquilo que a lei não veda.
Nesse contexto, não se pode negar que as relações foram bastante influenciadas pela revolução tecnológica disseminada nas últimas décadas, através dos computadores e de sua rede mundial.
As relações entre as pessoas vêm se intensificando e se modernizando com o passar dos anos, exigindo com que os operadores do direito se desdobrem em interpretações legislativas, muitas vezes ultrapassadas, para adaptá-las às novidades tecnológicas.
A dinâmica proporcionada pelo avanço tecnológico permitiu que determinadas operações contratuais fossem discutidas em ambiente meramente virtual, possibilitando a troca de informações, cláusulas e demais documentos via e-mail ou data room virtual, diminuindo a burocracia e agilizando os processos.
Assim, tendo em vista que a elaboração dos atos e o debate foram realizados virtualmente, questiona-se acerca da necessidade de assinatura física dos documentos para determinadas operações. Afinal, se a vontade das partes foi manifestada digitalmente, porque a sua formalização também não o pode ser?
A Infra Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (“ICP-Brasil”) foi criada para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica.
A ICP-Brasil foi instituída através da Medida Provisória (MP) 2.200-2, de 24/08/2001, e teve sua vigência prorrogada em decorrência da edição da Emenda Constitucional no 32/2001, tendo o §1º do art. 10 da referida MP garantido a veracidade das declarações constantes em documentos eletrônicos produzidos por meio do processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.
Ou seja, os contratos firmados por meio de certificados digitais são válidos, desde que não violem os requisitos de validade dos negócios jurídicos, a saber: (a) agente capaz; (b) objeto lícito e (c) forma prescrita ou não defesa em lei.
Nesse ponto, além do cumprimento dos requisitos de validade, cumpre destacar que os contratos particulares a serem firmados via certificados digitais ainda deverão obedecer às regras gerais dos negócios jurídicos. Para que um contrato tenha força de título executivo extrajudicial ele deverá ser assinado pelo devedor e por duas testemunhas.
Outro ponto importante a ser destacado é a diferença entre as assinaturas via o e-CNPJ e o e-CPF para contratos firmados por pessoas jurídicas.
Isto porque, apesar de uma pessoa jurídica estar apta para a sua representação via e-CNPJ, especialmente na assinatura de contratos e outros negócios jurídicos, estes deverão ser firmados somente pelo administrador da pessoa jurídica, nos termos do quanto definido em seus atos constitutivos, sob pena de nulidade do negócio jurídico.
Nesse contexto, em vista da facilidade de manipulação dos certificados digitais de pessoas jurídicas, especialmente quando não realizada pelo administrador nomeado pelos sócios, o ato deverá ser tratado com cautela. Tal assertiva se deve ao fato de, para determinadas pessoas jurídicas, o detentor do certificado digital (e-CNPJ) mesmo com poderes para atuar perante a Receita Federal, não obrigatoriamente está revestido da qualidade de administrador da pessoa jurídica, dotado de poderes para contrair obrigações em nome desta.
Neste diapasão, caso determinado contrato seja assinado digitalmente por uma pessoa jurídica, via e-CNPJ, não necessariamente haverá a adequada representação desta no ato jurídico, afinal, apenas os administradores, nos exatos termos definidos nos atos constitutivos vigentes, poderão representar a pessoa jurídica, sob pena de nulidade do negócio por ausência de capacidade de uma das partes.
Ademais, é comum os atos societários de determinadas pessoas jurídicas exigirem que para alguns atos jurídicos as sociedades sejam representadas por mais de um administrador, dentre outras peculiaridades, que devem ser obedecidas para validade do ato. E com a assinatura do contrato via certificado digital não é possível se auferir essa regularidade.
Ou seja, a utilização da assinatura digital através do e-CNPJ pode não proporcionar aos contratantes a segurança necessária para a validade do ato jurídico, em vista da difícil comprovação acerca da regularidade na representação da pessoa jurídica quando da assinatura do contrato (poderes efetivos). Seria o mesmo que aceitar que um contrato fosse assinado por qualquer funcionário da empresa, e não por seu administrador efetivamente nomeado para tanto.
Consequentemente, para garantir maior segurança jurídica, o ideal é que o contrato seja firmado através do certificado digital pessoal dos administradores (e-CPF do administrador), minimizando eventuais questionamentos futuros.
É notório que a possibilidade de se utilizar a assinatura digital agiliza a formalização dos contratos, diminui a burocracia, além de evitar custos com a remessa de documentos e demonstrar atuação ecologicamente correta por parte da pessoa jurídica. Em um mundo conectado, a agilidade em se firmar negócios jurídicos é essencial, mas a segurança jurídica sempre deverá ser respeitada.
Por Felipe Hannickel Souza e Fábio M. Pereira Srougé*
*Felipe Hannickel Souza e Fábio Mesquita Pereira Srougé são advogados especialistas em direito societário e contratual, integrantes de Salusse e Marangoni Advogados
Fonte: Valor Econômico via Roberto Dias Duarte
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