O dispositivo da Medida Provisória 685 que obriga as empresas a apresentarem ao Fisco detalhes do planejamento tributário que adotaram a fim de pagar menos impostos foi classificada como um ato de violência por especialistas que participaram de evento da Comissão de Direito Tributário da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, realizado na manhã desta segunda-feira (10/8).
Publicada no dia 22 de julho, a MP é uma das apostas do governo para tentar aumentar a arrecadação. A norma criou o Programa de Redução de Litígios, que prevê alguns atrativos para o pagamento de tributos atrasados pelas empresas que desistirem de contestar as autuações no âmbito administrativo e/ou judicial.
Com relação aos planejamentos tributários, a medida provisória estabelece o dia 30 de setembro como prazo final para as empresas enviarem à Receita um informe sobre os planejamentos que fizeram no ano anterior e que tenham resultado na redução do pagamento de impostos pagos. O governo alega que a regra trará mais transparência na relação com o contribuinte e o ajudará a combater o planejamento abusivo, feito sem os critérios elencados na própria MP, como o “propósito negocial”.
Roberto Quiroga, advogado e professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, criticou duramente a medida provisória, que chamou de "MP dedo-duro". Na avaliação dele, toda a documentação que o contribuinte apresentar poderá ser utilizada contra ele próprio, pois o Fisco não é transparente. “A autoridade tributária não sabe dizer sim ao contribuinte, não é transparente. Dá para crer em um contencioso administrativo onde 96% das manifestações são contra o contribuinte?”, questionou.
O advogado ressaltou que desde a redemocratização do país, em 1988, os gastos públicos saltaram de 20% para 37% do Produto Interno Bruto e que quem arca com quase 50% disso são cerca de 16 mil empresas classificadas como grandes, além de 4% da população que ganha acima de R$ 3 mil, que sofrem com a alta carga tributária.
Para Quiroga, os dados requeridos pela MP quanto ao planejamento tributário não serão analisados pelo governo com a devida isenção. “Pela MP, presume-se dolo e fraude se você, contribuinte, não avisar o que fez. Se você fez algo que não tenha propósito negocial relevante, seja usual ou que desnature um contrato típico, está sujeito a sanção gravíssima [multa de 150%]. A MP usa conceitos indeterminados e de difícil fiscalização. Tenho um pouco de dificuldade de entender esse subjetivismo”, afirmou o professor.
O procurador da Fazenda Nacional, João Henrique Chauffaille Grognet, defendeu a MP. De acordo com ele, sobretudo nos anos de 1980, as fraudes ao Fisco eram caracterizadas por dois atos dicotômicos: os elisivos, que contam com base legal, e os evasivos, feitos à margem da lei.
Nesse sentido, ele citou o exemplo de uma empresa que, para se enquadrar no sistema de tributação por lucro presumido, dividiu-se em oito empresas diferentes, porém com o mesmo contrato social e a mesma sede registrados nos diferentes CNPJs. Na época, os fiscais acabaram autuando a empresa. Embora não houvesse restrição na legislação da época, eles consideraram que a manobra feria todo o sistema tributário.
Segundo Grognet, a MP vem com esse espírito: evitar burlas ao sistema tributário como um todo. “Agora se concede ao contribuinte que for flagrado praticando uma conduta elisiva o direito de poder recolher o que deve sem a multa de 150%”, afirmou.
Para o advogado Tácito Matos, o tema não deveria ter sido tratado em uma medida provisória. “Será esse um tema relevante e urgente para justificar uma MP? Acho que a gente poderia, sim, da mesma forma como fizemos com a revisão do Código de Processo Civil, criar uma comissão, com representantes da Fazenda, advogados e contadores, para trabalhar em um projeto, talvez de lei complementar, sobre esse tema. Acho que ainda precisamos amadurecer esse tema. E me parece que a medida provisória seja o caminho mais adequado.”
O evento também contou com a participação do advogado Maurício Faro, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-RJ, e de Agostinho do Nascimento Netto, procurador da Fazenda Nacional, entre outros especialistas.
Por Giselle Souza
Fonte: ConJur
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