O aumento da fiscalização e a imposição de multas altas podem não ser o melhor caminho para combater a sonegação de impostos, que no Brasil atinge a marca de cerca de R$ 183 bilhões. A conclusão faz parte da tese de mestrado do advogado Fabio Pereira da Silva, sócio do escritório Weigand & Silva, que estudou o comportamento dos contribuintes na decisão de pagar impostos.
Segundo ele, na maior parte do tempo, o governo não avalia os desdobramentos que as decisões de política fiscal terão no médio prazo. “A preocupação é sempre a arrecadação no curto prazo”, diz. Uma das evidências dessa postura, afirma, são os inúmeros programas de parcelamento de débitos, como o Refis, que no longo prazo induzem à sonegação. “O contribuinte cria a expectativa de abertura do programa e, quando está em situação delicada, deixa de pagar impostos, esperando ser beneficiado lá na frente. ”
Em sua tese, defendida na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Silva mostrou que há dois princípios básicos que costumam guiar a atuação do Estado em relação ao contribuinte. O primeiro, mais presente em países em desenvolvimento, é o “paradigma do crime”, que tende a tratar o contribuinte como um potencial criminoso. “Nessa avaliação é como se o contribuinte estivesse sempre esperando uma brecha para sonegar, porque aumenta seu benefício econômico”, afirma o advogado.
Para fazer frente a essa situação, o Estado tenta aumentar a fiscalização. “É o princípio mais usado em países em desenvolvimento, porque punir é a alternativa mais fácil”. O problema é que a fiscalização exige recursos elevados, como contratação de fiscais e investimentos em tecnologia. “Isso acaba sendo proibitivo, o que leva ao aumento das multas, muitas vezes excessivas.” Esse comportamento, diz, eleva a sensação de injustiça fiscal, porque poucos contribuintes arcam com penalidades muito elevadas.
“Quando a confiança no Estado cai, o pagamento ‘voluntário’ de impostos, em função das leis, acompanha, e aí o governo tem que aumentar, de novo, o risco de não recolher tributos para o contribuinte”, afirma Silva. “O resultado é um contencioso tributário gigantesco, como parece ser o caso do Brasil”.
Um outro incentivo para a sonegação, em sua avaliação, são mecanismos como o Refis. “Em momentos de crise econômica, ou de dificuldade, é comum os empresários se questionarem sobre um novo programa de parcelamento e decidirem parar de pagar impostos para aguardar um Refis”, comenta.
Um caso recente, lembra o advogado, é o do São Paulo Futebol Clube, que deixou de pagar impostos e acumulou dívidas de R$ 30 milhões. Agora, a expectativa é que a Lei do Profut resolva o débito.
“O governo parte do pressuposto de que está adiantando recursos que teria no futuro com litígios, mas na verdade está recuperando o que deixou de receber. Isso também corrói a confiança, porque quem paga em dia se sente injustiçado”. Para Silva, esse tipo de parcelamento é associado a governos instáveis, que não se preocupam com o equilíbrio fiscal no médio e longo prazo. Embora o governo afirme que não deve repetir esse mecanismo, quebrar essa dinâmica leva tempo, lembra o advogado.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem afirmado que é contra esse tipo de programa e, em entrevista ao Valor, afirmou que há outros fatores, além do contexto de baixo dinamismo da atividade, que afetam a arrecadação, “inclusive a frequência com que se aprovaram refinanciamentos de débitos fiscais nos últimos anos”.
Ainda assim, o governo instituiu o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit), que permite o uso de créditos próprios de prejuízos fiscais, no caso de débitos vencidos até 30 de junho deste ano e em discussão na Justiça, para quem desistir da disputa. “O objetivo parece ser arrecadatório. Estamos sempre procurando corrigir distorções do passado, fica nesse círculo vicioso. A minha crítica é em relação à inexistência da avaliação, por parte das autoridades, das consequências de suas ações sobre o comportamento do contribuinte”, diz o advogado.
Para Silva, o governo brasileiro precisa caminhar para se aproximar do segundo paradigma, o da confiança, em que o contribuinte é visto como uma espécie de cliente, que paga tributos e recebe em troca serviços de qualidade. Uma postura que reúna os dois paradigmas, avalia, poderia ser mais eficaz do que se concentrar apenas na fiscalização para combater a sonegação, além abrir espaço para uma carga tributária dividida de forma mais racional, com menos destinação de receitas para fiscalização.
Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinfprofaz), estima-se que o total sonegado em 2015 atinja o montante de R$ 183 bilhões, equivalente a 27% do valor da arrecadação total. “Quem paga imposto não quer se sentir ameaçado pela fiscalização, algo que os empresários reclamam muito. Há certa agressividade na pretensão arrecadatória do Estado, o que mina a confiança”, diz Silva.
No Brasil, por exemplo, não há um órgão de consulta fiscal, que poderia orientar empresários em como proceder em determinadas situações de difícil interpretação da norma. “É um tipo de procedimento que poderia ser útil”, avalia o advogado. “A gente já tem legislação confusa, com custo de conformidade elevado, equipes especializadas em tributação que são caras.”
Outro passo, diz, seria individualizar ao máximo as penas, com progressividade das multas. “Seria melhor punir menos quem interpretou mal a lei e mais quem deixa de pagar todos os anos”, comenta. O governo também deveria interromper definitivamente programas como o Refis, avalia o advogado.
Fonte: Valor Econômico via Roberto Dias Duarte
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