Pular para o conteúdo principal

Aumento da carga tributária foi base para expansão social, aponta estudo

O Brasil teve aumento expressivo e contínuo da carga tributária nos últimos 20 anos. A arrecadação alta, no entanto, está na base do financiamento que permitiu ao país expandir políticas sociais e promover a inclusão no período, e é essa combinação que ajuda a explicar um fenômeno intrigante para quem olha de fora: o fato de esse aumento ter passado razoavelmente incólume à insatisfação da sociedade até pouco tempo atrás.

Essa interrogação foi o ponto de partida para um estudo chefiado pela Universidade de Manchester sobre as relações entre o sistema tributário brasileiro e o modelo de crescimento econômico que o país desenvolveu. O estudo faz parte do projeto "Brazil For Africa", um programa financiado pelo governo britânico que visa estudar diferentes facetas da economia brasileira em busca de políticas a serem replicadas na África.

"A democratização em 1989 vem com pressão crescente da sociedade por políticas sociais e de redistribuição", explica Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e um dos responsáveis pela pesquisa. É o que o estudo chamou de "contrato social" brasileiro: a contrapartida em gastos sociais também crescentes abriu uma espécie de espaço tacitamente aceito pela população a uma taxação maior.

"A carga brasileira é claramente um ponto fora da curva dos países de renda similar, mas isso foi essencial para o modelo de desenvolvimento econômico do país que tentamos desvendar", diz. "O Brasil taxa muito e gasta muito, com alta redistribuição. É um equilíbrio escandinavo."

Nos países escandinavos, onde a taxação chega a 55% do Produto Interno Bruto (PIB), os indicadores sociais e o retorno em bem-estar estão bem à frente dos brasileiros - uma das principais razões que colocaram os impostos na pauta de reclamações desde as manifestações de 2013. Mas o peso tributário vem de muito antes.

De 1995 a 2010, período coberto pelo estudo, houve um salto de sete pontos, de 27% para 34% do PIB. Hoje, oscila em torno de 37%, enquanto a média latino-americana é de 20%. Segundo os pesquisadores, o avanço social foi igualmente enorme desde lá, e foi isso que fomentou esse "contrato" por duas décadas.

E não são apenas políticas de distribuição direta que entram na conta, como o Bolsa Família. Pesa, principalmente, todo o arcabouço de assistência do Estado brasileiro, chancelado em boa parte pela Constituição de 88, que inclui um sistema universal e gratuito de saúde, educação também gratuita e uma Previdência ampla. Só a Previdência, que inclui os gastos com aposentadorias, licenças e seguro-desemprego, responde por cerca de dez pontos dos 37% que se paga hoje em impostos.

"Outros países, como China e Chile, têm uma carga tributária menor que a do Brasil, mas lá não existe previdência pública", diz o consultor Everardo Maciel, secretário da Receita durante o governo FHC. Para os chilenos, os impostos representam 20% do PIB e, para os chineses, 17%. "A carga tributária é do tamanho da despesa, e o tamanho da despesa é fruto de uma opção feita pela sociedade. "

Gustavo Lourencão/Valor

O economista Amir Khair, ex-secretário municipal das Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina em São Paulo, lembra também que boa parte do aumento na arrecadação veio do crescimento vigoroso da última década. "Os tributos têm relação direta com a atividade econômica. Quando o país cresce, diminui a inadimplência, as pessoas têm folga na renda, as empresas têm mais lucros. "

Por outro lado, a desaceleração da economia é um dos fatores identificados pelos especialistas como responsável pelo esgotamento do modelo. Sem crescimento, a arrecadação cai e, com ela, a folga para se continuar arcando com o sistema social.

E por que a demanda pelo amparo social apareceu tão mais forte no Brasil do que em outros países que também se democratizaram e refizeram suas constituições na mesma época?

Segundo Melo, coordenador do estudo, a resposta passa necessariamente pelo grau de distribuição de renda, tendo em vista que o Brasil saiu do regime militar como um dos países mais desiguais do mundo - "só perdia para Serra Leoa", afirma.

"Os militares trouxeram desenvolvimento, mas houve arrocho salarial e a desigualdade aumentou muito, então o processo de redemocratização no Brasil veio acompanhado por demandas fortes nesse sentido", diz o professor. Não só pela necessidade de se desconcentrar a renda ao nível dos outros países, mas porque a desigualdade cria distorções políticas.

É o que a ciência política, explica Melo, que também é PhD na área pela Universidade de Sussex (Reino Unido), estuda por meio do "teorema do eleitor mediano": mesmo com um nível de renda similar ao de seus pares, a desigualdade fez o Brasil ter uma proporção de pobres muito maior, o que faz a população ser naturalmente mais dependente do Estado.

Como a volta da democracia e das eleições trazia de volta também aos governantes a necessidade de votos e de aprovação da maioria, a agenda social acabou ganhando um espaço enorme, para se alinhar a essa maioria. Hoje, por outro lado, numa sociedade com mais classe média e menos pobres, isso também explica o esgotamento do modelo e as mudanças no tom das demandas.

O sistema, no entanto, tem imperfeições. A principal delas é de não ter tudo o que as políticas públicas têm em distribuição. Como a proporção de impostos indiretos, cobrados sobre produtos finais, é maior do que a de diretos, sobre a renda, o fardo acaba sendo proporcionalmente maior para os mais pobres, que têm pouca renda e a utilizam totalmente para o consumo. Enquanto os 10% mais pobres entregavam, em 2008, 32% de sua renda em impostos, os 10% mais ricos pagavam apenas 21% - padrão chileno.

"Há duas formas de fazer política redistributiva, pelo lado dos gastos e pelo lado dos tributos. Temos um sistema ruim, regressivo e ineficiente, mas estava gerando receita e funcionando", diz Melo. "Acabou se criando essa situação esquizofrênica, em que, ao mesmo tempo que o governo faz um grande esforço em gasto social, não se promove a igualdade pelo lado da tributação."

Por Juliana Elias

Fonte: Valor Econômico via Tributo e Direito.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O sol nunca deixa de brilhar acima das nuvens

Sempre que viajo e vejo esta cena fico muito emocionado. O Sol brilhando acima das nuvens. Sempre me lembro desta mensagem: "Mesmo em dias sombrios , com o céu encoberto por densas e escuras nuvens, acima das nuvens o Sol continuará existindo. E o Sol voltará a iluminar, sem falta. Tenhamos isto sempre em mente e caminhemos buscando a luz! Quando voltarmos os nossos olhos em direção à luz e buscamos na vida somente os lugares onde o Sol brilha, a luz surgirá" Seicho Taniguchi Livro Convite para um Mundo Ideal - pág. 36 Que super mensagem Deus nos oferta.  Você quer renovar a sua experiência com Deus?  Procure um lugar quieto e faça uma oração sincera a Deus do fundo do seu coração pedindo para que a vontade dele prevaleça em sua vida. Tenho certeza que o sol da vida, que brilha acima das nuvens escuras, brilhará também em você !!!

Sonegação não aparece em delação premiada, mas retira R$ 500 bi públicos

Empresário que sonega é visto como vítima do Estado OS R$ 500 BILHÕES ESQUECIDOS Quais são os fatores que separam mocinhos e vilões? Temos acompanhado uma narrativa nada tediosa sobre os “bandidos” nacionais, o agente público e o político corruptos, culpados por um rombo nos cofres públicos que pode chegar a R$ 85 bilhões. Mas vivemos um outro lado da história, ultimamente esquecido: o da sonegação de impostos, que impede R$ 500 bilhões de chegarem às finanças nacionais. Longe dos holofotes das delações premiadas, essa face da corrupção nos faz confundir mocinhos e bandidos. O sonegador passa por empresário, gerador de empregos e produtor da riqueza, que sonega para sobreviver aos abusos do poder público. Disso resulta uma espécie de redenção à figura, cuja projeção social está muito mais próxima à de uma vítima do Estado do que à de um fora da lei. Da relação quase siamesa entre corrupção e sonegação, brota uma diferença sutil: enquanto a corrupção consiste no desvio ...

A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO CONTADOR NO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL

O ordenamento jurídico prevê diversos crimes tributários e, dentre eles, o delito de sonegação fiscal, consoante o art. 1º, da Lei 8.137/90, verbis : Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a leg...