Há grandes esperanças para o Big Data. A GE informou em um vídeo online que a Internet Industrial, também conhecida como a Internet das Coisas, nos conduzirá a “um mundo mais veloz, mais seguro, mais limpo e mais produtivo. Ele será maior do que tudo o que já fizemos antes”.
No entanto, há também uma conscientização crescente de é que preciso lidar com questões importantes para que essas esperanças se concretizem. Se os quatro “V” — volume, velocidade, variedade e verificação — forem usados para definir a natureza do Big Data, então os quatro “P” — praticidade, privacidade, poder e privilégio — definirão as dificuldades que o Big Data terá de resolver na corrida em direção a um futuro sustentável.
Os desafios práticos são os que, em geral, resolvem-se mais rapidamente. A questão prática fundamental que veio à tona durante o congresso sobre “Sustentabilidade na Era do Big Data”, patrocinado pela Iniciativa em Liderança Global em Meio Ambiente da Wharton (IGEL, na sigla em inglês) é, ironicamente, a falta de capacidade intelectual.
Conforme disse Paul Rogers, diretor de desenvolvimento da GE, em sua palestra final no congresso da IGEL, “o Big Data existe hoje de um modo extremamente difícil de compreender”. Uma vez que boa parte dos dados da Internet Industrial referem-se especificamente a tipos particulares de maquinário, eles são inteligíveis apenas para os que projetaram e construíram os equipamentos. É preciso um know-how imenso para aplicar esses dados à resolução de problemas e à descoberta de eficiências. É preciso um know-how a mais de cientistas da computação e de outros para que se crie um software que torne úteis esses dados para não especialistas no futuro.
O problema imediato é que não há simplesmente especialistas em número suficiente — engenheiros, analistas de Big Data e cientistas da computação — para lidar com a enorme montanha de dados que vai se acumulando rapidamente. Com o know-how correto o Big Data pode ser usado para aumentar significativamente a eficiência, aumentando tanto a sustentabilidade quanto o valor comercial. Contudo, conforme disse no congresso da Wharton Alyssa Farrell, diretora de sustentabilidade global da SAS, “para aproveitar as oportunidades, as empresas precisam de mais profissionais de talento analítico à sua disposição”.
De acordo com Rogers, “a questão não é como gerar mais dados, e sim saber se a maior parte dos dados de que dispomos têm sido usados para alguma coisa importante. E a resposta é não”.
Mark Headd, diretor de dados da cidade da Filadélfia, também falou no congresso da Wharton. Segundo Headd, há outras barreiras à liberação de dados no mundo real. Boa parte dos dados históricos do governo hoje disponíveis, assinalou, é incoerente e incompatível com os bancos de dados atuais. “A maior parte desses sistemas jamais foram projetados para liberar dados fora do âmbito do governo”, disse, “portanto é preciso uma ponte entre o ambiente herdado e o ambiente de dados”.
No governo, assim como nos negócios, as questões relativas à qualidade dos dados geralmente mascaram as questões de controle. O fato de que a informação é armazenada em silos guardados por funcionários que não querem abrir mão desse controle torna o trabalho ainda mais complexo, disse Headd. Os chefes de departamentos, por exemplo, resistem com frequência às instruções de liberação de dados da cidade sob o argumento de que eles não “estão depurados, atualizados ou prontos para liberação”. De acordo com Headd, “vencer a apreensão de que os dados estejam em desordem é um obstáculo real — é uma questão de entropia”.
Outra questão prática: o custo e a dificuldade atuais de se transmitir grandes volumes de dados sem fio. O custo deverá cair à medida que aumentarem os aplicativos de Big Data e o desenvolvimento de novas tecnologias, mas, por enquanto, o terabyte de dados gerados pelos motores a jato durante o voo de um aeronave têm de ser baixados por um técnico que conecta o sistema de bordo a computadores no solo depois que o avião pousa. O problema, diz Rogers, é que a “transferência sem fio de dados é extremamente cara”.
Questões de privacidade
As questões relativas à privacidade são bastante conhecidas da imprensa popular. Não faltam relatórios frequentes sobre o envolvimento do governo americano em operações de vigilância eletrônica maciça de seus cidadãos e de empresas, bem como de governos estrangeiros, cujos sistemas supostamente seguros são hackeados.
O New York Times informou recentemente que “um grupo criminoso russo se apropriou da maior coleção conhecida de credenciais da Internet, entre elas 1,2 bilhão de combinações de nomes e senhas de usuários e de mais de 500 milhões de endereços de e-mail”. Isto depois que hackers roubaram 40 milhões de números de cartões de crédito da Target, enquanto ladrões de dados vietnamitas se apropriaram de “200 milhões de dados pessoais, inclusive de números do seguro social, dados de cartões de crédito e informações de contas bancárias da Court Ventures, uma empresa hoje de propriedade da corretora de dados Experian”.
Privacidade e segurança são também preocupações do mundo da sustentabilidade. David Parker, vice-presidente de Big Data da SAP, disse no congresso da Wharton: “É óbvio que a privacidade de dados é a principal preocupação, e o partilhamento do Big Data pode ser feito em benefício do maior bem comum, ou com intenções equivocadas.” Parker disse que o lobby que a SAP faz junto aos órgãos reguladores do governo tem como objetivo permitir um acesso maior aos dados e à sua utilização, mas com a consciência de que é preciso que haja limites.
Possíveis abusos
O Big Data tem força para fazer prosperar o comércio e a sustentabilidade, mas isso pode também gerar abusos.
Num exemplo que retrata a preocupação sobre a forma como o Big Data será usado, a Farm Bureau Federation vem se empenhando para que haja mais rigor nos controles do uso dos dados que os agricultores passam para as empresas com que trabalham. De acordo com Matt Erickson, economista da Farm Bureau, a preocupação é com os grupos que se opõem a práticas específicas como, por exemplo, a utilização de GMOs (organismos modificados geneticamente). Teme-se que eles possam ter acesso a dados supostamente anônimos conectando-os a fazendas específicas — assim como os hackers ligaram recentemente dados anônimos da Netflix a clientes específicos — usando esses dados contra os agricultores.
Michael Lewis, autor do best-seller “Flash Boys: revolta em Wall Street”, mostra no livro como operadores que fazem transações em alta velocidade lucraram com a diminuição em alguns milissegundos do intervalo de tempo necessário para a transmissão de dados de Nova York para New Jersey. Não há suspeitas de nada tão high-tech nos mercados de commodities, mas Erickson receia que o Big Data dos agricultores possa ser usado para manipular esses mercados. Empresas com montantes elevados de dados sobre tudo — do uso de fertilizadores ao rendimento das colheitas — poderiam usar essas informações para distorcer o mercado. “Se eu tivesse todas essas informações poderia prever facilmente o comportamento do mercado”, diz Erickson. “Não aconteceu, mas não há dúvida de que possa acontecer.”
Outros possíveis abusos mais sutis de Big Data podem também ocorrer. Durante a palestra de abertura do congresso, Parker relatou um uso hipotético de dados do consumidor que agora se tornou possível usando-se dados colhidos no site de um varejista e do celular de um cliente. O varejista, disse Parker, pode enviar ao cliente um texto sobre uma camisa que ele estava procurando online dizendo: “Sr. Parker, já temos a camisa na cor e no tamanho que o Sr. queria em uma loja nossa próxima; sabemos que o Sr. está a dois minutos apenas da loja em questão.” O varejista pode ainda recorrer à Gestão de Oferta em Tempo Real (RTOM, na sigla em inglês) e acrescentar à mensagem enviada uma outra em que oferece um desconto de 5% ao consumidor se a compra for feita nos 20 minutos seguintes.
O serviço é bom para o varejista, para o cliente e para o meio ambiente (não há embalagem, custo de envio, não há necessidade de ir de carro até o shopping local), mas como Parker observou de passagem, tudo isso lembra um pouco o “Big Brother”. Embora o exemplo dado por Parker seja o de um serviço de participação opcional, existe a possibilidade de que tais estratégias sejam exploradas sem permissão, de modo que deixem de servir ao consumidor e passem a manipulá-lo — forçando-o, por exemplo, a comprar ou a usar mais do que estaria efetivamente disposto a comprar ou a usar.
Como diretor de gestão da empresa de Big Data Syncsort e pesquisador bolsista da IGEL, Gary Survis disse em um blog da IGEL antes do congresso da Wharton: “É evidente que […] estamos embarcando em uma jornada rumo a uma nova era em que haverá uma batalha épica entre os que usarão dados para o bem e os que tentarão controlá-los para fins perversos.”
O perigo da manipulação
Uma preocupação semelhante veio à tona com a ideia de usar o Big Data para motivar o comportamento sustentável. Falando sobre gamificação no congresso da IGEL, Kevin Werbach, professor de estudos jurídicos e de ética nos negócios da Wharton, disse que os jogos podem ser usados para incentivar a pesquisa e o desenvolvimento [P&D] (uma empresa pode produzir muito mais pesquisas se anunciar uma competição para a criação de uma lâmpada sustentável, por exemplo, do que se publicar simplesmente um requisito de solicitação (RFP, na sigla em inglês). De igual modo, os municípios podem elevar as taxas de reciclagem se transformaram a atividade em uma espécie de jogo: a cidade monitora quanto um residente recicla e confere pontos que, no fim das contas, resultam em algum tipo de premiação. Contudo, há o perigo de que tais estratégias possam ser usadas para motivar as pessoas de maneiras não éticas.
Conforme disse Werbach, “é fácil usar a gamificação para manipular. Faça tal coisa porque é divertido quando, na verdade, há algum objetivo que não coincide necessariamente com os interesses do jogador. Portanto, é fundamental na gamificação ética que o projeto seja transparente em relação a esses objetivos”. O desafio que enfrenta a gamificação consiste em saber como assegurar que o poder do Big Data seja usado para dar respaldo, e não para coagir o comportamento desejado. “É realmente importante para o sucesso de longo prazo”, disse Werbach, “que os participantes sintam que é do seu interesse e, portanto, compreendam a natureza do sistema em oposição ao que se faz sem o seu conhecimento”.
Acesso privilegiado
O acesso privilegiado ao Big Data é um dos desafios mais complexos que enfrentam os que atuam no espaço da sustentabilidade. Conforme disse Rogers, tanto o comércio quanto a sustentabilidade se beneficiam da eficiência. Contudo, em muitas regiões do mundo o comércio é esparso e os mercados são frágeis demais para atrair o investimento sério. Todavia, eficiência e sustentabilidade são ainda mais essenciais nessas regiões do que no mundo desenvolvido, não apenas como formas de melhorar a vida, mas para seu sustento literal.
Praticamente todo o crescimento da população nas próximas décadas ocorrerá nas regiões em desenvolvimento onde os alimentos e a energia são extremamente necessários, e onde o Big Data pode desempenhar um papel vital. O desafio final é garantir que as altas esperanças depositadas no Big Data se concretizem em escala global.
É natural que surjam dificuldades no momento em que o entusiasmo inicial por um novo conceito atinge seu ponto máximo. O Hype Cycle [ferramenta de representação gráfica da maturidade e adoção de determinadas tecnologias] chama isso de “Categoria do Desencanto”, e que segue na esteira das “Expectativas Infladas”. As questões de praticidade, privacidade, poder e privilégio que hoje se colocam em relação ao Big Data são um antídoto útil àquelas expectativas infladas que, uma vez resolvidas, levarão, com toda probabilidade, a um esclarecimento maior e, em última instância, a um mundo mais sustentável.
Fonte: Roberto Dias Duarte.
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