Neste breve estudo temos a pretensão de analisar a (im)possibilidade dos consultores externos, como advogados, contadores e auditores, serem responsabilizados por débitos tributários de clientes-contribuintes, em virtude de questionamentos realizados pelos Fiscos (Federal, Estadual e/ou Municipal), por força de orientações, pareceres, planejamentos e reestruturações sugeridas em matéria tributária por aqueles.
Tem sido comum a desconsideração pelo Fisco de planejamentos e outras orientações de natureza tributária, gerando normalmente a exigência de tributos, acrescidos de juros e multa. Mais do que isso, em alguns casos, houve a inclusão como responsável pelo crédito tributário o consultor externo.
Em nosso sistema jurídico seria possível atribuir responsabilidade e/ou solidariedade tributária ao consultor externo, por débitos de seus clientes, quando decorrentes de orientações advindas deste? Desde logo, entendemos que não!
Mesmo que por orientação do consultor, quem realiza o fato gerador do tributo é o contribuinte
A primeira razão está fundada na própria noção de legalidade. Ao se analisar o Código Tributário Nacional, especialmente, os arts. 134 e 135, notamos claramente a ausência de qualquer imputação de responsabilidade a tais terceiros, constando de previsão legal, por exemplo, os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores, os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, entre outros.
Neste sentido, inclusive, podemos encontrar decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), exonerando a responsabilidade do contador (1ª Seção, Ac. 1301001.268).
Mas, seria possível buscar fundamento no art. 124 do Código Tributário Nacional, que trata da solidariedade em matéria tributária, como alternativa à ausência de previsão legal? Acreditamos que também não seria possível.
Isto porque, referido dispositivo legal somente permite a solidariedade quando houver entre as pessoas “interesse comum que constitua o fato gerador”. Este requisito exige que as partes pratiquem em conjunto o fato jurídico tributário que gera o surgimento do tributo. Impõe-se, um interesse jurídico comum no fato gerador, não bastando aquele de natureza econômica, social (STJ, Resp. 884845/SC; Calcini, Fábio P. Responsabilidade e Solidariedade. Algumas considerações ao art. 124 do CTN. RDDT, v. 167).
Daí porque, na hipótese do consultor externo, mesmo que a conduta do contribuinte decorra da orientação deste, quem realiza juridicamente o fato gerador do tributo é o contribuinte e não consultor, existindo entre eles somente uma relação jurídica de natureza privada de prestação de serviços, com possível interesse econômico. Nada mais.
Bem por isso, o Carf, em relevante decisão, excluiu a responsabilidade/solidariedade do advogado, quanto aos créditos tributários e multa isolada imposta ao contribuinte-cliente, diante da inexistência de interesse comum no fato gerador (2ª Seção, Proc. 10120.720301/2012-92).
Não obstante tais ponderações, poder-se-ia sustentar que seria viável a imposição de responsabilidade, bastando que se faça uma alteração legislativa. Seria constitucional referida medida legislativa? (STF, ADI 4.845).
Independentemente do conteúdo dessa suposta legislação, esta somente seria possível do ponto de vista formal se vier por meio de lei complementar (art. 146, III, CF), não se olvidando ainda do fato de que em matéria que envolva o exercício de profissão a competência legislativa é da União (art. 22, XVI, CF).
Mesmo que se faça em cumprimento aos critérios formais, em especial, lei complementar, entendemos que o legislador não possui ampla liberdade para imputar responsabilidade/solidariedade a toda e qualquer pessoa, uma vez que tais consultores externos não realizam no exercício de sua atividade a prática de fato gerador dos tributos que eventualmente podem ser exigidos dos contribuintes-clientes.
Daí ser eventual lei impondo referida responsabilidade tributária para os consultores externos inconstitucional, por violar o livre exercício profissional (art. 5º, XIII, CF), a pessoalidade da pena (art. 5º, XLVI), além da razoabilidade, proporcionalidade e livre iniciativa (art. 170, CF), sobretudo, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 562.276/PR), que reconhece a inconstitucionalidade do art. 13, da Lei n. 8.620/93, pois mesmo os terceiros devem realizar, ainda que indiretamente, o fato gerador (art. 124 e 128 CTN).
Não olvidemos, ainda, que, no caso dos advogados, existe mais um impedimento de natureza constitucional, pois, o art. 133, da Constituição enuncia “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Há, portanto, imunidade ao advogado por seus atos e manifestações, não podendo esta garantia ser restringida, eis que, em verdade, tal proteção ultrapassa o próprio profissional para resguardar toda a sociedade e ser fundamento essencial à manutenção do Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF).
Fábio Pallaretti Calcini é mestre e doutor em direito constitucional pela PUC-SP, especialista em direito tributário pelo IBET e em tributário internacional pela Universidade de Salamanca (Espanha), membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Por Fábio Pallaretti Calcini
Fonte: Valor via Jurânio Monteiro
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