Compartilho aqui com vocês minha experiência nessa "fábrica de sonhos" e os bastidores da companhia que busca encantar todos aqueles que visitam o seu mundo
A matéria foi publicada originalmente na edição 23 da revista Administradores, lançada neste mês de novembro |
Recebi a notícia de que escreveria essa matéria com um sorriso de felicidade no rosto. Por dentro eu estava como que soltando fogos de artifício. Uma dica: não me peça para falar sobre a Disney a não ser que realmente queira ouvir. Quem me conhece sabe que se eu começo é difícil parar.
Minha relação com essa “fábrica de sonhos” começou na infância, quando assistia avidamente aos musicais no aparelho VHS para passar o tempo. Naquela época eu não poderia imaginar que um dia trabalharia quase 100 dias no Walt Disney World Resort. Minha história com esta empresa virou um romance, um conto de fadas; em se tratando de Disney não poderia ser diferente.
Mas vamos começar do começo, no melhor estilo storyteller. Uma amiga me ligou numa noite qualquer, e perguntou se eu estaria disposta a faltar aula no dia seguinte para acompanhá-la numa palestra. “É sobre aquele negócio da Disney, pra trabalhar lá”. Eu não entendi direito, mas resolvi que iria. Chegando ao local da palestra, nos juntamos aos cerca de 500 jovens universitários que esperavam o que seria dito. A música temática, o vídeo projetado na tela, tudo contribuía para o clima de magia e antecipação, resgatando sentimentos de admiração cultivados na infância. A “experiência Disney” começava ali.
Naquele dia me apaixonei pelo programa de intercâmbio que me levaria para Orlando alguns meses depois, pra trabalhar durante um trimestre no “lugar mais mágico da Terra”.
Cast Members e seu poder de contar histórias
Chegar ao condomínio em que eu moraria e ser recebida com cookies quentinhos, depois de quase um dia inteiro de viagem, é um detalhe que eu não vou esquecer. Mais tarde aprendi que a experiência Disney se faz justamente nos detalhes, nos momentos simples, porém mágicos, e não somente em grandes e elaboradas atrações. Talvez essa seja uma das grandes justificativas da marca ser tão admirada no mundo dos negócios e, de volta e meia, aparecerem livros sobre suas práticas encantadoras para empresas que buscam a satisfação de seus consumidores.
Lá não há clientes, há “convidados”, não há funcionários, há “membros do elenco”. Isto porque convidados costumam voltar sempre que chamados outra vez. Membros do elenco costumam desejar nunca deixar de sê-lo.
O primeiro dia de treinamento para se tornar um cast member da Disney se chama Traditions (tradições). Independente de onde se vai trabalhar no enorme complexo, os futuros funcionários aprendem sobre os princípios e filosofia que regem absolutamente todos os setores dessa organização. O storytelling se reproduz desde esse momento, quando a história da Disney, a qual se confunde com a de seu idealizador, Walt, é narrada de forma poética aos que estão sendo treinados, como se fosse um conto de fadas.
Desde a criação do primeiro personagem até o surgimento do mais querido ratinho do mundo, Mickey Mouse, Walt Disney é retratado como um visionário, um contador de histórias, um sonhador, e isso inspira cada novo cast member a continuar de forma digna o legado que ele deixou. Cada pessoa com quem se tem contato no Traditions é um storyteller, e a forma convicta e apaixonada com que esses treinadores repassam o que é a Disney faz com que algo improvável aconteça no final do dia: você se percebe encantado pela história de um rato.
Por trás do Mickey Mouse há um grande homem
Neste momento preciso abrir parênteses especiais para Walt Disney: um cara excêntrico, cheio de ideias inovadoras, e de quem muita gente duvidou. Sua esposa e familiares, porém, acreditavam na sua habilidade de narrar, que era uma arma poderosa de persuasão. Conta a história, que Walt costumava ir a parques de diversões em sua cidade, onde observava as crianças e seus pais. O que ele notou foi que as crianças se divertiam imensamente, mas os pais se tornavam meros espectadores, pois as atrações do local eram destinadas ao público infantil e não à família como um todo. Este insight gerou no nosso storyteller o desejo de criar mundos que atraíssem adultos e crianças, e não só eles, mas qualquer pessoa, de qualquer idade, de qualquer lugar do mundo.
Walt não queria um parque de diversões, simplesmente, daqueles itinerantes que você encontra em estacionamentos de grandes supermercados em sua cidade. A ideia era construir um mundo fantástico, desligado da realidade, e que proporcionasse uma experiência única, incomparável. Como diz Tom Peters em seu livro Reimagine, “O valor agregado para qualquer empresa, pequena ou enorme, vem da qualidade da experiência fornecida”. Walt Disney tinha essa visão desde a década de 1960, e sua liderança nesse sentido foi tão forte, que mesmo passados muitos anos de sua morte, cada pessoa que trabalha em sua empresa continua sendo guiada por essa ideia.
O que este homem enxergou foi que para promover a experiência seria preciso encantar primeiramente aqueles que serviriam de canal para que a vivência da fantasia se tornasse realidade. Assim, a estratégia para criar este encantamento se inicia com a conquista do próprio cast member, que a começar pelo nome, “membro do elenco”, se sente parte importante da construção desse mundo maravilhoso.
Magia se faz com pessoas
Uma empresa com mais de 55 mil colaboradores, como é a Disney, enfrenta os problemas mais comuns e cotidianos que você possa imaginar. Como se manter como uma das maiores instituições mundiais, depois de tanto tempo de fundação? O segredo está nas pessoas. E no atendimento que elas são ensinadas a oferecer. Durante o meu treinamento, aprendi lições marcantes, e que tenho carregado comigo desde então. Princípios simples, mas que somados fazem a diferença; são os pilares da experiência Disney.
“We create hapiness” (Em tradução, nós criamos felicidade). A noção de que cada cast member carrega em si o poder de criar felicidade é poderoso, e se traduz em um atendimento dedicado a fazer com que momentos mágicos aconteçam para cada convidado que visita qualquer local Disney. Essa máxima do serviço é dividida em quatro ideias principais, consideradas princípios básicos que devem nortear cada colaborador. “Eu projeto imagem e energia positivas”; “Eu sou cortês e respeitoso para com todos os convidados, inclusive crianças”; “Eu permaneço no personagem e represento meu papel”; “Eu vou acima e além”.
Cada um desses quatro fundamentos tem várias implicações. Projetar imagem e energia positivas quer dizer, por exemplo, sorrir, se mostrar interessado e acessível, buscando interação genuína com os guests. O segundo princípio prega a cordialidade, a educação, o respeito, de forma que cada pessoa que você tiver a oportunidade de atender se sinta importante e bem cuidada, inclusive as crianças, que devem ser olhadas nos olhos, e tratadas de igual pra igual. Permanecer no personagem pode parecer estranho para quem trabalha servindo comida num restaurante de um dos parques; mas não se engane, há um elemento de show em cada setor da Disney! Preservar a magia dos bastidores, manter a fantasia, e fazer com que as pessoas se esqueçam do mundo lá fora são noções essenciais para criar momentos mágicos.
The Magical Moment
Imagine a cena: uma família com um casal de filhos pequenos e chorosos tenta acalmá-los, sem sucesso; uma funcionária da Disney percebe a situação e resolve ajudar. Ela chama a atenção das crianças com uma história (que acabou de inventar), dizendo que o Mickey falou com ela mais cedo e lhe entregou uns adesivos especiais, e que quem tivesse esses adesivos – que estampavam o rosto do ratinho simpático – se tornaria amigo dele. Funciona como mágica. As crianças trocam o choro pelo sorriso e recebem os adesivos com os olhos brilhando. Os pais ficam extremamente tocados e agradecidos. Isto é ir acima e além. Criar um momento mágico não é fazer malabarismos ou grandes apresentações. É transformar, através da simplicidade do contato humano, uma experiência mediana numa memorável.
Muitas pessoas visitam a Disney várias vezes na vida, mas é fato que outras planejam e economizam para fazer esta viagem apenas uma vez. Enquanto funcionários, quem somos nós para diminuir este prazer pelo qual o guest tanto esperou? Aprendi que a minha função ali era fazer com que cada pessoa que eu atendesse tivesse os melhores momentos da sua vida. E se eu disser que a funcionária da história dos adesivos sou eu?
Ao criar aquele momento eu tive uma recompensa maior do que podia imaginar, pois percebi que eu, recém-chegada, estudante, estrangeira, tinha de fato o poder de criar felicidade. E esse desejo foi despertado em mim porque eu queria fazer minha parte em proporcionar a experiência mágica Disney. O resultado é que hoje o desejo de criar felicidade prevalece em tudo o que faço.
Fonte: Administradores
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