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Carf e os efeitos prospectivos para novos entendimentos e retroativos para atos

Uma situação que permanece gerando insegurança jurídica se refere a decisões negociais que foram tomadas no passado com base em decisões reiteradas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que apontaram a forma correta de aplicar alguma norma, mas, vários anos depois, tendo havido mudança interpretativa, mesmo os fatos do passado passaram a ser julgados pelo novo entendimento. Exemplo dessa situação ocorreu com operações societárias que antes eram admitidas e praticadas, mas que passaram a ser rechaçadas e julgadas pelo novo crivo.

Indo contra essa corrente, Turma do Carf aplicou previsão do Código Tributário Nacional (CTN) raramente acionada, para dar efeitos apenas prospectivos para mudanças de interpretação; assim ementado:

"Acórdão 3401-002.537 (publicado em 12.08.2014)

MUDANÇA DE ENTENDIMENTO ACERCA DE INTERPRETAÇÃO TRIBUTÁRIA – MUDANÇA DE CRITÉRIO JURÍDICO - ART. 146 DO CTN – APLICAÇÃO SOMENTE A FATOS GERADORES POSTERIORES À SUA INTRODUÇÃO

Nos termos do artigo 146 do CTN, a modificação introduzida, de oficio, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

Voto (...)

É comum o fisco alterar o seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal implicando encargo maior ou menor para o contribuinte. Quando a mudança de posicionamento do fisco favorece o contribuinte não temos dúvida de que o novo critério interpretativo pode ser aplicado retroativamente em razão do princípio da retroatividade benéfica (art. 5º, XL da CF).

É diferente quando se tratar de retroação que agrava o encargo tributário do contribuinte, hipótese em que não poderá retroagir o critério interpretativo, quer em razão do já citado princípio da retroatividade benéfica que veda a retroação quando maléfica, quer em função da vinculação da administração a seus próprios atos.

De fato, o fisco limita-se a aplicar a lei ao caso concreto. Logo, se a lei não pode retroagir, salvo se for a nova lei mais benigna, parece evidente que o critério jurídico de interpretação dessa lei, também, não possa retroagir a menos que se trate de um novo critério mais favorável ao sujeito passivo da obrigação tributária.

Na prática, é comum o fisco promover o desenquadramento do regime do SIMPLES, ou do regime de tributação fixa do ISS, com efeito retroativo alegando novo entendimento formado à luz da jurisprudência administrativa ou judicial.

Essa prática é ilegal e contraria o princípio da boa-fé do contribuinte, de um lado. E de outro lado, representa insubmissão da administração a seus próprios atos, o que é inadmissível por implicar violação do princípio da segurança jurídica.

O novo critério interpretativo só pode ser aplicado para o futuro, jamais para o passado."

Ato declaratório retroage

Não é situação inusual haver contribuintes que já usufruem de benefício fiscal, como o da área da Sudene, sem ter ainda o Ato Declaratório da Receita Federal, apesar de já ter o Laudo Constitutivo da Adene. A Receita Federal autua, pois considera que, sem a chancela do fisco, fica irregular o benefício fiscal.

Todavia, Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) aduziu que o ADE é meramente declaratório de um direito que já se tem a partir de um Laudo Constitutivo, portanto pode ser produzido posteriormente, mesmo após o início da fruição dos benefícios; assim ementado:

"Acórdão 9101-001.895 (publicado em 14.08.2014)

INCENTIVOS FISCAIS. SUDENE. RECONHECIMENTO DO DIREITO PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL.

Para os benefícios concedidos com base no art. 14 da Lei nº 4.239/63, o ato expedido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil é um ato que declara, vale dizer, chancela o direito do contribuinte à redução do IRPJ para o período desde a data em que existe a declaração de que estão preenchidos os requisitos para tal benefício. Essa declaração, consubstanciada em laudo constitutivo, emitido pelo Ministério da Integração Nacional ADENE, é a prova necessária e suficiente, sendo certo que só a partir dela tem-se o direito passível de reconhecimento pela SRFB."

Em linha com esse entendimento amplo para gozo de benefício, há este outro precedente, desta feita sobre pedido de revisão de benefício fiscal, que tem como condição estar o contribuinte regular com o fisco. A Turma fixou o entendimento de que a prova da regularidade pode se dar no curso do processo administrativo, não necessariamente no momento em que solicitado o benefício; assim ementado:

"Acórdão 9101-001.436 (publicado em 15.08.2014)

INCENTIVOS FISCAIS. CONCESSÃO. REGRAS DE ADMISSIBILIDADE. PERC. COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL.

Comprovada a regularidade fiscal no curso do processo administrativo, deve ser afastada a preliminar de impossibilidade de deferimento do incentivo fiscal com fulcro no art. 60 da Lei n° 9.069, de 1995, devendo a repartição de origem prosseguir a análise do mérito do pedido."

PLR

Decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais sempre chamam a atenção, pois é órgão incumbido de pacificar as divergências entre Turmas do CARF. E, no caso abaixo, Turma da CSRF enfrentou questões referentes à participação nos lucros e resultados (PLR) e decidiu que (a) o acordo negociado entre empregados e empresa com intervenção do sindicato não precisa ser firmado antes do exercício a que se refere, mas apenas antes do pagamento da PLR; e (b) que havendo pagamento de parcela do PLR em periodicidade menor que a legal (antes semestral atualmente trimestral), apenas a parcela desconforme a lei deve ser desqualificada e sofrer incidência de contribuição, não invalidando todo o PLR; assim ementado:

"Acórdão 9202-003.192 (publicado em 13.08.2014)

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS (PLR). PAGAMENTO EM CONFORMIDADE COM A LEI DE REGÊNCIA. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO. PAGAMENTO EM DESACORDO COM A LEI. INCIDÊNCIA.

Apenas a parcela paga ou creditada aos empregados a título de participação nos lucros ou resultados em acordo com as diretrizes fixadas pela legislação pertinente não integra o salário de contribuição.

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS (PLR). ANTERIORIDADE DE CONVENÇÃO COLETIVA, ACORDO COLETIVO OU NEGOCIAÇÃO COLETIVA. NECESSIDADE. INEXISTENCIA DE PRAZO FIXADO EM LEI. ACORDO FIRMADO DURANTE O PERÍODO DE AFERIÇÃO DAS METAS ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS.

A Lei 10.101/2000 exige que o fechamento do acordo para o pagamento da PLR ocorra antes do pagamento e ao menos durante o período de aferição dos critérios adotados para fixação do direito subjetivo dos trabalhadores. Referida lei não estabelece, contudo, prazo mínimo necessário entre o fechamento do acordo e o pagamento da PLR, não cabendo ao interprete fazê-lo.

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS (PLR). PERIODICIDADE PREVISTA NA LEI 10.101/2000. DESCARACTERIZAÇÃO DAS PARCELAS PAGAS EM DESACORDO E NÃO DO PROGRAMA DE PLR COMO UM TODO.

A Lei 10.101/2000, antes da alteração pela Lei 12.832/2013, vedava o pagamento de PLR em periodicidade inferior a um semestre civil ou em mais de duas vezes no mesmo ano civil. Não se pode deixar de aplicar a lei a pagamentos feitos em acordo com as suas disposições, devendo ser computados na base de cálculo das contribuições previdenciárias apenas as parcelas pagas em periodicidade inferior à permitida ou acima de duas vezes por ano."

Ágio e perda

Existe uma legislação pouco utilizada, mas ainda vigente pelo menos até 2015 quando, pelas novas regras que extinguiram o RTT, ocorrerá revogação expressa (art. 117, III, “i” da Lei 12.973/14). Trata-se da dedução da perda de capital na alienação de participação societária, especificamente quando for antecedida por aquisição com ágio (art. 34, I, do DL 1.598/77); possibilidade que ficou esquecida porque se passou a utilizar a previsão de dedução do próprio ágio, que surgiu com a Lei 9.532/97.

De fato, a dedução do ágio passou a ser permitida (art. 7º, III, da Lei 9.532/97), quando antes era vedada (art. 25 do DL 1.598/77). Na época em que era vedada a dedução do ágio, surgiram casos em que se deduzia, a título de perda de capital, o valor extra que tinha gerado o ágio; o que causou autuações apontando haver planejamento tributário ilícito em pagar ágio para adquirir participação societária alegando o valor alto da participação, mas, no momento seguinte, amortizar a mesma participação a título de perda porque a participação valeria pouco. Aliás, a lei que possibilitou a dedução do ágio surgiu, conforme a exposição de motivos da MP 1.602/97 depois convertida na Lei 9.532/97, justamente para coibir tal planejamento. O aprofundamento dessa discussão, inclusive cotejando com a nova regra da Lei 12.973/14, pode ser encontrado em artigo dos autores desta coluna no livro Grandes questões em discussão no Carf, a ser lançado pela editora Focofiscal em setembro de 2014.

Estabelecido esse contexto, no caso abaixo a fiscalização glosou a posterior amortização da perda de capital porque o inicial ágio não foi fundamentado; o que está em linha com a jurisprudência do antigo Conselho de Contribuintes, atual Carf. Todavia, a Turma fez uma distinção inexistente na pacífica jurisprudência do Carf, considerando que a falta de fundamento do ágio só impediria a dedução como perda se houvesse prova de que o ágio foi simulado, mas não por simples falta de documentação; e só não foi cancelada integralmente essa parte da autuação porque o contribuinte teria usado critério de correção sem base legal; assim ementado:

"Acórdão 1301-001.496 (publicado em 18.07.2014)

ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. GANHO OU PERDA DE CAPITAL. ÁGIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO ECONÔMICA.

Isoladamente, diferentemente da amortização antecipada autorizada por normas legais, a ausência de comprovação documental da fundamentação econômica não constitui impedimento para que, na apuração do ganho ou perda de capital, o ágio seja considerado no valor contábil da participação alienada. Não obstante, constatando-se que na atualização do custo foram utilizados índices não autorizados pela legislação de regência, há de se promover a glosa correspondente.

Voto (...)

A meu ver, a partir da constatação de que a contribuinte fiscalizada não detinha documentos capazes de justificar, economicamente, o pagamento do ágio, caberia à Fiscalização envidar esforços no sentido de demonstrar, por exemplo, que o valor pago não se destinou efetivamente à aquisição da participação societária.

Perscrutando a jurisprudência deste Colegiado acerca da matéria, identifiquei dois pronunciamentos que, tomando-se por base unicamente as ementas dos julgados, pode-se concluir, equivocadamente a meu ver, que o fato isolado de o contribuinte não comprovar, documentalmente, o fundamento econômico do ágio, impede que ele utilize o referido custo na apuração do ganho ou perda de capital.

Com efeito, os acórdãos nºs 108-09.809 e 1301-00.053 foram assim ementados (embora julgados por Colegiados distintos em momentos também distintos e envolverem empresas diferentes, os fatos dos quais decorreram as autuações são os mesmos): (...)

Penso, pois, que os pronunciamentos acima referenciados não invalidam a tese de que, isoladamente, o fato de a contribuinte não ter comprovado documentalmente o fundamento do econômico não pode servir de fundamento para que seja promovida a glosa do ágio pago na aquisição da participação societária, para fins de apuração de ganho ou perda de capital. Ao contrário, reafirmam o entendimento de que tal glosa deve vir acompanhada de outros elementos que autorizem concluir que, por exemplo, houve artificialização da perda (como nos casos antes descritos), ou, como já dito, que o pagamento não se destinou efetivamente à aquisição do investimento.

Ausentes tais elementos, tenho por improcedente a glosa efetuada."

Por Antonio Elmo Gomes Queiroz e Mary Elbe Gomes Queiroz

Antonio Elmo Gomes Queiroz é advogado, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet, em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo Ineje (RS) e em docência do Ensino Superior pela UFRJ; vice-presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; sócio do escritório Queiroz Advogados Associados; e palestrante da FocoFiscal.

Mary Elbe Gomes Queiroz é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

Fonte: Revista Consultor Jurídico via Tributo e Direito.

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