O Fisco começa a “sujar o nome” de empresas que têm dívidas tributárias. Irritados, os empresários reagem e vão à Justiça
Esforços dos governos para aumentar a eficiência da máquina pública, em geral, são aplaudidos pelo setor produtivo, aqui e lá fora. Menos quando o assunto objeto do esforço de produtividade é a arrecadação de impostos, cujo aprimoramento costuma ser visto como um peso ainda maior da carga tributária nos negócios. Sufocadas pelo Leão, as empresas agora temem ser alvo de coação a partir de uma nova ofensiva de cobrança de dívidas tributárias: o protesto em cartório de inadimplentes dos governos municipais, estaduais e federal.
Irritados, os empresários já acionaram seus departamentos jurídicos e, em conjunto com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), levaram a briga para a Justiça. “Sujar o nome” de empresas é uma prática usual no setor privado, quando se trata de cobrar o dinheiro que uma companhia tem a receber de outra que lhe deve algum, ou de um consumidor. Pressionado, o devedor se vê forçado a quitar os débitos para evitar restrições de crédito – sem falar na preocupação com a sua imagem, em caso do protesto de um título ou mesmo de um pedido de falência por inadimplência.
Uma lei aprovada no final de 2012, no entanto, passou a autorizar expressamente o uso do mecanismo por parte do poder público. Até então, as tentativas tinham um amparo mais frágil, na lei do protesto, de 1997, que deixava aberta a interpretação sobre o uso desse mecanismo por parte dos governos. Com o novo respaldo legal, o Fisco das três esferas de poder foi, aos poucos, se armando. Protestos em cartório ganharam força em todos os níveis da Federação, nos últimos meses, e se transformaram em uma pedra no sapato da indústria, o que gerou uma reação da CNI.
A entidade questiona a maneira como a nova norma foi aprovada, através de um parágrafo incluído na medida provisória que tratava da redução nas tarifas de energia elétrica. Alega, ainda, que o Ministério e as secretarias da Fazenda, já recorrem ao Judiciário para cobrar dívidas em atraso, em ações de execução fiscal. E alerta para o risco de os protestos em cartório servirem de instrumento de pressão e de sanções políticas. Documentos do processo dão indícios da importância do tema para a administração pública em seus esforços para reduzir estoques bilionários de dívidas cobradas, mas não arrecadadas.
Cinco governos já ingressaram como parte interessada na ação, entre eles o Estado e o município de São Paulo. A Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) também vai entrar com argumentos de defesa. Enquanto a questão não se resolve, as empresas tentam conter a ofensiva como podem. Em levantamento feito em diferentes instâncias da Justiça, DINHEIRO encontrou mais de 20 processos de companhias pedindo para ter o nome limpo após serem protestadas por dívidas tributárias. As decisões variam.
O Banco do Brasil, por exemplo, conseguiu reverter um protesto feito pela Prefeitura de Ribeirão Preto no valor de R$ 75,6 mil. Já a rede de supermercados Carrefour ainda não conseguiu sustar uma cobrança de ICMS no valor R$ 719 mil, no Distrito Federal. O levantamento mostra que a prática atinge os mais diversos contribuintes, incluindo grandes varejistas e indústrias, clubes de futebol e até mesmo uma igreja. São Paulo é um dos Estados que mais têm utilizado o protesto para tentar reduzir o estoque das dívidas, hoje em mais de R$ 200 bilhões. A Fazenda paulista já protestou 354 mil títulos.
Com um estoque de dívidas de R$ 1,4 trilhão, o equivalente a 30% do PIB de 2013, o governo federal também lançou mão do reforço judicial. Protestou 170 mil títulos, num valor total de R$ 790 milhões. De início, a Procuradoria da Fazenda Nacional passou a protestar as dívidas até R$ 10 mil. Agora, o teto está em R$ 50 mil e há possibilidade de nova revisão. Pelas regras atuais, a União poderia levar a cartório quase R$ 90 bilhões em dívidas atrasadas. Da mesma forma, o governo mineiro diz ter títulos equivalentes a R$ 380 milhões na fila dos protestos.
“O protesto é muito ágil e tem índice de arrecadação mais alto do que a cobrança normal”, afirma Anelize Lenzi Ruas, diretora da Procuradoria Nacional da Fazenda. Ela rebate o argumento de que a medida não oferece direito a contestação. “A CDA, título de dívida tributária, tem o contraditório prévio e pode ser discutida administrativamente”, diz. Em defesa da medida, as autoridades apontam o alto custo e a demora nos processos de execução fiscal, além do acúmulo de ações no Judiciário. Estudo apresentado pelo governo de São Paulo no processo mostra que o Estado leva quase dez anos para conseguir cobrar uma dívida na Justiça – na prática, só valem a pena aquelas ações superiores a R$ 21,7 mil.
Os procuradores citam índices de sucesso até dez vezes maiores na cobrança por meio de protestos. Para a Prefeitura de São Paulo, o retorno de 23% de pagamentos obtidos com o mecanismo é um percentual “inimaginável” pelo rito tradicional das execuções. “Não só implica mais verbas para a realização de políticas sociais à comunidade paulistana como proporciona um desafogo do Judiciário”, afirma o procurador do município, Robinson Sakiyama Barreirinhas. Há ainda o argumento de que os protestos servem para reverter a cultura de procrastinação no pagamento de tributos.
“A protelação no pagamento é consequência da altíssima carga tributária”, diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). “Não é que a empresa não queira pagar; ela não consegue pagar.” De acordo com a indústria, os protestos afetam, sobretudo, as empresas de menor porte, sem acesso ao crédito. “O protesto é um meio coercitivo de cobrança, muito nefasto para o micro e pequeno empresário”, afirma Sérgio Campinho, advogado da CNI. Os especialistas divergem sobre as chances de vitória da indústria no processo contra a lei.
Para Leonardo Costa, professor da FGV Direito, os argumentos apresentados pela CNI são frágeis, pois “não há nenhuma inconstitucionalidade”. “Presume-se a legitimidade da lei, que passou por todo o rito do Parlamento e foi sancionada.” Já a especialista tributária do escritório Mattos Filho, Gláucia Maria Frascino, considera um equívoco transpor um instrumento da área cível para a seara tributária. “São medidas que, do ponto de vista prático, podem fazer algum sentido e serem consideradas eficazes”, afirma. “A questão é saber quais são os limites, e a legalidade é um deles.”
Fonte: IstoÉ Dinheiro via Jurânio Monteiro
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