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Corrupção, Ética e Compliance Corrupção, Ética e Compliance



A corrupção acompanha a humanidade desde tempos remotos. Com a Revolução Industrial, no século XVIII, e suas formas contínuas e avassaladoras de busca de eficiência centrada exasperadamente no lucro, passaram a ser usados, inclusive, métodos inescrupulosos, desde o suborno de funcionários públicos ao espólio do Estado. Do capitalismo central ao periférico, o que importa é atender a ganância dos empresários. A ânsia do mercado pela alta rentabilidade conduz à perda de escrúpulo e, assim, lança-se mão de qualquer ato de violência moral: aliciamento, propina, superfaturamento de obras públicas, enfim, um amontoado de atitudes torpes.

Diante desse cenário preocupante de corrupção em todo o mundo envolvendo grandes grupos econômicos, considero oportuno abordar a ética empresarial e, por conseguinte, o Compliance – termo ainda pouco conhecido pelos brasileiros e que supõe a prática da ética pelas empresas.

Mas afinal o que é ética? De onde vem esse conceito? Pode-se buscar seu significado na Antiguidade grega. Portanto, há muito tempo já se discute o tema. De certa forma, a ética possui singularidades, depende muito de aspectos culturais, incluindo os aspectos religiosos. Sua origem etimológica está vinculada ao vocábulo ethos, ou modo de ser, do caráter.

Platão enfatiza a justiça como principal virtude a ser seguida, pois ela dá a medida para as ações humanas. De acordo com Aristóteles, a ética se forma a partir do intenso e constante intercâmbio que o homem desenvolve com o mundo desde o momento em que surge na Terra. O homem não nasce com o conceito de ética, como se fosse um instinto natural, mas a ética é adquirida ou conquistada por hábito.

Ainda nos princípios da ética grega, associa-se a ética ao bem, ao que é justo e à correção comportamental. Assim, segundo a justiça universal, justo é aquilo que se dá conforme a lei e consoante o bem comum. Injusto é aquilo que é contrário à lei, iníquo e oposto ao bem da coletividade.

Dessa forma, os gregos inspiraram o conceito de ética numa perspectiva filosófica e reflexiva. Aproveitando-se do pensamento grego, os norte-americanos instituíram uma ética empresarial no mercado, tendo como base os princípios do ethos grego de justiça passados dos homens para as empresas.

Como a ética e suas raízes gregas, a ética empresarial tem uma história. Sua origem se dá justamente no campo acadêmico, precisamente na década de 1970. Norman Bowie registrou o nascimento da ética nos negócios em 1974, através de uma conferência sobre o tema ética empresarial, na Universidade de Kansas. Pronto! Estava criado um conceito novo ou apenas foi reinventada a roda?! A ética empresarial passou a integrar a área de administração de empresas, o que, certamente, daria um ar de bom comportamento às instituições.

Mas essas mudanças não surgiram por acaso, as empresas não decidiram praticar a ética de uma hora para outra. Basta citar o pensamento do destacado economista liberal Milton Friedman: “a única responsabilidade social dos negócios é aumentar o lucro das empresas”, independentemente de onde ele vem. Todavia, tal pensamento empresarial vem perdendo força na medida em que leis anticorrupção investigam práticas desonestas e, assim, desenvolvem uma verdadeira devassa nas contas das empresas. A busca do lucro diante de um cenário de leis anticorrupção esbarra na necessidade de  procedimentos de ética ou, caso contrário,  o preço pago pela má conduta pode ser muito alto, talvez até a falência.

Nos Estados Unidos, provavelmente a lei mais temida pelos empresários, em face do alcance da punibilidade, é a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), aprovada pelo Congresso norte-americano em 1977, após o caso Watergate. Ela foi responsável pela queda do presidente Nixon, atestando as mudanças no cenário de punibilidade de empresas acusadas de corrupção. Essa lei federal, por exemplo, é aplicável não somente a empresas com sede nos EUA, mas a todas aquelas com ações cotadas nas bolsas de valores americanas. Portanto, tornou ilegais pagamentos efetuados a funcionários de governos estrangeiros, partidos políticos estrangeiros e candidatos a cargos públicos estrangeiros em troca de vantagens comerciais ou econômicas.

O poderoso grupo alemão Siemens foi um dos primeiros a sentir na pele o lado drástico da FCPA, protagonizando o maior acordo relacionado à lei americana. Em 2008, a empresa alemã concordou em pagar um total de U$ 800 milhões para os órgãos competentes dos Estados Unidos. Acredite! Essa é a maior multa até o momento para uma única empresa. No processo, a Siemens foi acusada por apresentar falhas contábeis. Autoridades norte-americanas afirmaram que o padrão de suborno da empresa alemã não tinha precedentes em escala e alcance geográfico, estimando-se corrupção e suborno de mais de U$ 1,4 bilhão em propinas pagas para autoridades públicas de diversos países, em quase todos os continentes.

Mais recente é o caso de outra empresa alemã, a Volkswagen, na fraude dos motores a diesel que violavam a legislação sobre a qualidade do ar. Além disso, alguns dos principais grupos financeiros norte-americanos especializados em empréstimos imobiliários se encontram sob investigação da FCPA. Bank of America, JP Morgan, Chase, Wells Fargo, Citigroup e Ally Financial foram condenados a pagar uma multa de U$ 25 bilhões em 2012.

A partir de leis severas como a FCPA, que passaram a reprimir a corrupção, empresas que já haviam implementado uma ética empresarial, talvez numa concepção do conceito filosófico grego, introduziram em suas dinâmicas um termo que lembra a ética filosófica, no entanto, direcionado ao respeito às leis; o qual nada mais é do que um mecanismo de proteção ou precaução, tendo em vista o rigor das leis anticorrupção e o pagamento de multas muito altas a que estão sujeitas. A palavra apropriada para a nova postura é extraída do verbo inglês to comply, que significa adequar-se, conformar-se ou cumprir. Em seguida, se transformou num substantivo – Compliance – e as empresas criaram um programa de Compliance para se ajustarem às normas e às leis dos locais onde se instalam.

A adoção do Compliance pelas empresas não valoriza os princípios da filosofia grega, que pregava a virtude, mas simplesmente busca atender o ordenamento jurídico, as leis, sendo uma concepção extensiva do direito. Nesse aspecto, ouso atribuir uma atitude meramente “utilitarista” e pragmática por parte do meio empresarial com a ideia do Compliance. Transferindo o utilitarismo para a esfera das empresas, o valor da boa ação – aqui visto como ética empresarial ou Compliance – deságua no aumento do capital financeiro da empresa ou da receita. A ética empresarial se transforma em um importante ativo no mundo dos negócios num contexto meramente pragmático, portanto, de regras e de formalidades.

Apesar do avanço com as leis anticorrupção e a adoção do Compliance pelas empresas, ainda defendo que a ética não é usada de forma espontânea por parte delas. Assim, prefiro afirmar que tenho muita cautela acerca da ideia de que o Compliance tornaria o mercado mais ético e derrubaria de vez a corrupção, a desonestidade, o suborno e as frequentes negociatas envolvendo empresas. Pode até parecer um progresso para a sociedade, no entanto, no mundo empresarial, essa atitude vem na esteira da mera sobrevivência: o lucro.

Há vários casos de corrupção no Brasil envolvendo empresas que possuem programas de Compliance; entre elas, o banco HSBC, acusado de operações com o narcotráfico; a Siemens, acusada de suborno em obras no estado de São Paulo; e a Odebrecht, construtora brasileira investigada na operação Lava Jato. Levando-se em conta os exemplos dessas empresas, pode-se pensar que o Compliance não tem a tão propagada eficácia.

Malgrado esse exemplos, as leis anticorrupção vêm avançando no mundo e punindo empresas infratoras. A transparência está se tornando uma tendência mundial, um caminho sem volta. Tanto assim, que partir da experiência da FCPA, os Estados Unidos influenciaram a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a ONU (Organização das Nações Unidas) a liderarem o movimento mundial de combate à corrupção no mundo empresarial, fazendo com que outros países adotassem leis anticorrupção. O Brasil constitui um exemplo dessa postura, com a aprovação da Lei 12.846/13.

Que seja esse o início de um novo tempo!

Fonte: Ycarim  Melgaço

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