Por Ives Gandra Martins
O presidente do Senado Federal
nomeou comissão de 14 especialistas em diversas áreas para repensar a Federação
brasileira e apresentar sugestões às Casas Legislativas dos Estados.
Certamente, um dos problemas centrais da questão será o da reforma tributária,
que desde o governo Collor (1990) tem sido objeto de variadas considerações, de
um sem-número de anteprojetos e projetos oficiais ou de instituições públicas e
privadas, sem jamais ter avançado, nesse e em todos os governos seguintes
(Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva), inclusive no atual,
que ainda não formulou uma proposta global.
Em seu discurso de posse, a
presidente Dilma Rousseff prometeu reformas fatiadas, declarando à imprensa que
também em relação à tributária haveria segmentação de proposta.
Tendo participado de audiências
públicas desde as primeiras convocadas ainda durante a Constituinte, percebi
que todos os projetos esbarram num problema capital, que é equacionar a questão
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo de
vocação nacional pelo constituinte regionalizado. Nos países desenvolvidos o
IVA, tributo semelhante, mesmo nas federações é centralizado, de competência do
governo nacional, visto que pela técnica do "valor agregado", ou a
nossa da "não cumulatividade", tratamentos jurídicos diferenciados,
se outorgados à competência de outras entidades federativas, poderiam gerar
desigualdades de região para região.
Contou-me Gilberto de Ulhôa
Canto, um dos autores do atual sistema tributário brasileiro, que Rubens Gomes
de Souza, autor do primeiro anteprojeto de que resultou o Código Tributário
Nacional, lhe confidenciou que com a criação do então ICM esperava acabar com
as discussões entre os Estados ocasionadas pelo Imposto sobre Vendas e
Consignações (IVC), que era cumulativo. Infelizmente, seus prognósticos se
revelaram frustrados. É que contava o eminente tributarista com a concordância
dos Estados para a concessão dos estímulos fiscais regulados em lei
complementar e uma políticas geral consubstanciada pela União aplicável a todos
eles, o que ocorreu, de início, com o Decreto-Lei 406/68, a Lei Complementar
(LC) 24/75 e, depois, com a LC 87/96, já na vigência da atual Constituição.
Acontece, todavia, que pelo fato
de os Estados violentarem sistematicamente a Constituição, produzindo leis ao
arrepio do consenso regional necessário para que estímulos possam ser
concedidos no âmbito desse tributo, a "guerra fiscal" - leia-se a
guerra de desobediência coordenada pelos Estados - terminou gerando
descompetitividade e desordem no setor produtivo nacional. Para evitar tais
maculações à Lei Maior a Emenda Constitucional n.º 45/05 criou dispositivo para
regular a descompetitividade tributária (146-A). No entanto, a lei que
explicitaria os métodos para tanto até hoje não foi produzida.
Nem mesmo as sucessivas decisões
do Suprema Tribunal Federal, deliberando que tais leis de estímulo são
inconstitucionais, têm servido para obrigar os Estados a cumprirem a Carta
Magna, pois a cada decisão editam novas leis, estatuindo os mesmos incentivos.
Estamos, pois, com um sério problema de violação constitucional e desobediência
às decisões da Suprema Corte, o que torna o direito tributário, no que diz
respeito ao ICMS, um complexo de normas que viceja, fundamentalmente, na
ilegalidade.
Apresentei, em audiências
públicas, algumas sugestões para quebrar esse círculo vicioso de desobediência,
pelo poder público, à Lei Suprema. A primeira seria de uma emenda
constitucional proibir qualquer tipo de incentivo fiscal e financeiro no âmbito
do ICMS, impondo alíquota única para todo o território nacional nas operações
interestaduais, respeitando-se o princípio da seletividade. Acabaria assim a
guerra dos estímulos.
A segunda alternativa seria
fundir o IPI, o ICMS e o ISS num mesmo imposto sobre o valor agregado,
outorgando aos Estados o direito de arrecadar e partilhar com a União e os
municípios a sua receita. Dessa forma, a sua perda da competência legislativa
seria compensada com o alargamento da capacidade de arrecadação, pois os
Estados têm máquina arrecadatória maior do que a União. A lei seria, assim,
nacional.
A terceira solução - já aventada
nos últimos tempos, e não em audiências públicas - seria a regulamentação
definitiva dos incentivos por lei complementar, como determina a letra g do
inciso XII do parágrafo 2.º do artigo 155 da Constituição federal. Haveria,
pois, uma única regra para equacionar de vez os problemas.
Enquanto tal não ocorre, todavia,
causa perplexidade que os Estados proponentes de ações diretas de
inconstitucionalidades providas pelo Supremo Tribunal Federal não ingressem com
reclamações nessa mesma Corte a cada nova lei contrária que reedite os
incentivos já reconhecidos como inconstitucionais, pedindo a sustação imediata
de seus efeitos - o que pode ser decidido até mesmo monocraticamente pelo
ministro que receber o pedido, à luz das decisões anteriores.
Para tanto basta apenas vontade
política. Caso contrário, continuarão os Estados dando péssimo exemplo ao
macularem a Constituição, levando o Brasil a pagar um alto preço de
descompetitividade empresarial e de desindustrialização.
A esse problema crucial se
acrescente o dos royalties dos minérios, que são ínfimos para os Estados de
onde são retirados, e o das dívidas de Estados e municípios, cuja correção, por
taxas elevadas, as torna de impossível pagamento.
Como se percebe, em matéria tributária,
não são pequenos os problemas sobre os quais a comissão se debruçará.
Ives Gandra Martins é presidente do Conselho Superior de
Direito da FecomercioSP
Fonte: jornal O Estado de S.Paulo via http://www.fecomercio.com.br
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Compartilhando idéias e experiências sobre o cenário tributário brasileiro, com ênfase em Gestão Tributária; Tecnologia Fiscal; Contabilidade Digital; SPED e Gestão do Risco Fiscal. Autores: Edgar Madruga e Fabio Rodrigues.