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Reforma Tributária Urgente - 6ª Parte — Planejamento Tributário Estratégico — Conceito

Nos artigos anteriores, estudamos várias distorções tributárias, incluindo as principais modalidades de evasão (ilegais, legais e travestidas de legais) e a guerra fiscal. Afirmamos que, excetuando a forma ilegal, a sonegação propriamente dita, que mudou de feição, perdeu força em alguns aspectos e ganhou em outros, mas continua a existir como sempre existiu desde os primórdios da humanidade, as demais evasões expandiram-se de modo exacerbado na última década, e ganharam participação relativa na somatória do imposto que se esvai pelas portas, janelas, claraboias e chaminés do sistema tributário brasileiro, esse mar de complexidade — e de perplexidade — que assusta o investimento produtivo.
Agora, neste artigo, abordaremos um fenômeno que vem acompanhando a evolução das evasões, o chamadoplanejamento tributário estratégico, denominação que lhe deram os próprios militantes do ramo, os tributaristas do setor privado. É um nome bonito e sonoro, convenhamos, mas confere à atividade um ar de fidalguia que talvez ela não tenha.
Poderíamos classificar o novo ramo como variante de economia tributária, ou de engenharia tributária,ou de estratégia tributária,eis que seu conteúdo mescla conceitos jurídicos, contábeis, microeconômicos, matemáticos e até uma pitada de noção militar (a luta estratégica contra o inimigo atroz da economia privada: o tributo escorchante).
Rivalidade
Talvez por esse tom ostensivo de enfrentamento é que alguns operadores do lado oposto (do Fisco), têm apelidado a atividade, à boca pequena, jocosamente, como a arte de sonegar com estilo. Seria, portanto, uma ramificação da arte (no duplo sentido do vocábulo) e não da ciência.Claro que é só uma piada, pois, por um lado, sonegar com estilo é um paradoxo, a sonegação é sempre torta e desengonçada, e por outro, a arte de sonegar com esttilo contém uma impropriedade semântica: nem todo planejamento tributário estratégico implica em sonegação, embora implique sempre em evasão, mas esta até pode ser legal, enquanto aquela jamais.
Vá lá que às vezes o planejamento tributário implica em evasão trabalhada, cavoucada, articulada até com o próprio poder público (o sujeito ativo concorrente, no caso da guerra fiscal), ou por intermédio de lobbies de entidades empresariais (para inserir produtos numa lista de ST, por exemplo), mas dentro das regras do jogo, objetivando supostos interesses coletivos.
Há quem defina esse tipo de planejamento tributário mais elaborado, também denominado planejamento tributário agressivo, como algo que se situa no limiar da legalidade, eis que não raramente baseia-se em normas de constitucionalidade discutível, ou no emprego de meios não muito católicos para viabilizar as configurações jurídicas imaginadas, resultando em verdadeiros simulacros negociais.
A razão maior da rivalidade entre o Fisco, de um lado, e os planejadores tributários, de outro, talvez esteja um pouco na má fama do lobismo, que nem sempre se pauta pela observância ética. E também porque, no frigir dos ovos, a ação desencadeia fuga de tributo, ataque velado ao cofre da viúva.
De todo modo, o vocábulo sonegar, sem dúvida, é inadequado, exceto em casos excepcionais, mas aqui já se trata de um desvio do conceito original de planejamento tributário estratégico e de uma subversão dos valores aceitos pela sociedade.
A Prática do Conceito
A prática tradicional do planejamento tributário estratégico consiste em vislumbrar e/ou providenciar configurações jurídicas que objetivam reduzir ou postergar o repasse de recursos ao erário, conjugando distorções operacionais de certos tributos com brechas legais e com incertezas jurídicas.
Há casos mais atrevidos em que entra até mesmo uma cláusula secreta: a evasão ilegal de risco calculado. Mas aqui já se trata de um conceito eticamente condenável, sem dúvida nenhuma. Traduzindo em miúdos, seria uma espécie de seguro de assistência jurídica caso uma brecha planejada seja detectada e desmantelada pelo Fisco, no todo ou em parte. Para usar uma analogia, seria como se um advogado criminalista vendesse a marginais um plano delituoso e incluísse no pacote os riscos, comprometendo-se a garantir assistência jurídica em todas as instâncias. Obviamente, neste exemplo, o advogado estaria incorrendo no crime de formação de quadrilha. Portanto, nesses casos em que se avança o sinal vermelho, sequer dever-se-ia cogitar de planejamento tributário — nem estratégico, nem agressivo —, mas sim de formação de quadrilha, pura e simplesmente.
O planejamento tributário, estratégico ou agressivo, alcança não apenas as pessoas jurídicas, mas também as físicas, sobretudo os sócios de empresas e seus familiares. Fala-se abertamente em blindagem patrimonial, em maneiras de escapar às garras do Fisco, como se isto fosse algo normal, ético, inocente. Envolve inclusive aspectos sucessórios. Ou seja, a pessoa física se evade até depois da morte (espólio).
Os praticantes dessa atividade entendem que os procedimentos, apesar de contrários ao poder público, são politicamente corretos, pois defendem o setor privado contra a sanha tributária dos governos. Alegam agir em defesa da economia do setor privado, que emprega e produz, e, portanto, em defesa da sociedade. Justificam que sua atividade tem pleno respaldo ético, pois suas jogadas fazem parte da regra do jogo, são duras, mas não são faltosas.
O tema admite controvérsia, claro, pois há casos que consistem, por exemplo, na criação de ‘empresas’ que funcionam a portas fechadas, sem funcionários, às vezes em salas minúsculas compartilhadas com outras ‘empresas’, e não raramente no exterior, em paraísos fiscais. Em geral, essas ‘empresas’ são como que ‘ao portador’, os sócios verdadeiros não aparecem ostensivamente, a suposta gestão fica a cargo de laranjas ou testas-de-ferro, as procurações e os sócios ocultos grassam à vontade.
A título de exemplo, vão aqui algumas modalidades de planejamento tributário que objetivam a evasão de:
a) IR sobre aluguéis e outros rendimentos, que migram da pessoa física para a jurídica, combinada com a de ITCMD (tributação mais branda na sucessão).
b) IPVA na aquisição de veículos por pessoas jurídicas, inclusive locadoras de veículos, em Estados generosos, embora ali não operem, ou operem apenas para legalizar o endereço. Este expediente também é utilizado por pessoas físicas que, embora com domicílio fiscal numa UF, mantêm sítios, casas de campo ou praia em outra UF, a da jurisdição dadivosa. Para não falar dos casos — totalmente ilegais — em que o endereço é ficto, por vezes consiste numa sala imaginária contígua ao endereço do próprio despachante. É a guerra fiscal motorizada.
c) ISS de prestadores de serviços que migram para cidades vizinhas também muito gentis e fagueiras — novamente a guerra fiscal.
d) ICMS na Substituição Tributária via atacadista testa-de-ferro, podendo neste caso combinar-se com a evasão também de ITCMD, no caso de distribuidoras em nome de familiares.
e) Ainda no âmbito do ICMS, criação de empresas ou filiais em outras UFs para disparar a munição da guerra fiscal, quando parte do CNPJ vai, mas a atividade não.
Estes são apenas alguns exemplos de uma lista que supera o abecedário. Em todos, a linha divisória entre o legal e o ilegal é muito tênue. Se a suposta empresa, filial ou sucursal documentar-se, se ‘existir’ formalmente, se registrar algum empregado, se escriturar as operações, fica difícil ou até impossível para o Fisco demonstrar que se trata de um simulacro engendrado.
Os tais planejamentos se valem não apenas de dribles na lei, mas de entradas não muito esportivas, ou de faltas inexistentes cavadas pela malícia do atleta, ou de uns gols de mão que o juiz não vê porque não quer ver, ou de pressões não muito éticas nos gabinetes das federações, quem sabe até nos tribunais que julgam os atletas faltosos…
São ações que vão desde lobbies escancarados de empresários e entidades visando a inclusão de produtos de elevada margem bruta no ICMS-ST (em posições fiscais em que o desvio padrão em torno da média é enorme, e sabem disto de antemão, pois conhecem as margens da concorrência), a outros junto a prefeitos e governadores sugerindo alíquotas menores para cativar a ‘clientela’ de fora, e até alguns mais atrevidos sobre juízes dos tribunais da vida.
Enfim, nem sempre esse jogo é tão transparente e ético como afirmam os seus atletas, treinadores, dirigentes e conselheiros. Admitamos, por ora, que se trata apenas de lobismo, e acolhamos, com a devida prudência, os casos noticiados pela imprensa dando conta de que tais estratégias têm servido não só à evasão, mas também para abrigar patrimônios e recursos de origens duvidosas, de gente graúda, dos três poderes e do setor privado, até no exterior. Nesses casos, não há dúvida de que a prática é totalmente condenável.
Em síntese, uma Reforma Tributária com iniciais maiúsculas deve levar em conta as inúmeras brechas legais de que se valem os chamados planejamentos tributários estratégicos, agressivos ou não, criminosos ou não. E deve levá-las em conta para impedir que continuem a ocorrer, pois a eliminação dessas distorções é profilática, depura o mercado, esteriliza a concorrência predatória, e como ganho adicional paga a conta da Reforma, afasta a necessidade de criar mais carga tributária nominal.
Nos próximos artigos, em complemento aos temas até aqui tratados, antes de formular propostas pontuais, abordaremos as dissonâncias entre conceito e configuração operacional de tributos sobre valor adicionado, no atual sistema tributário brasileiro. Será necessária esta abordagem, pois tais divergências, mormente em economias em fase de expansão e com enormes disparidades regionais, combinam-se com as já apontadas brechas ilegais, legais e travestidas de legais, exponenciam a evasão e a incerteza jurídica, afastam o investimento e despertam, até no bom contribuinte, a propensão a sonegar, causada pelo estímulo da evasão bem-sucedida praticada pela concorrência predatória.
Tais distorções geram também, nos consumidores, a sensação de que estão sendo lesados, de que o tributo incluso no preço não está sendo repassado ao erário como deveria.
Ademais, semelhantes estímulos — à propensão a sonegar e à percepção de que se está sendo lesado — deprimem a cidadania, dentro e fora da empresa, e com um agravante moderno: quanto maior a transparência tributária, que vem se expandindo inegavelmente, mais e mais se evidencia que há muito valor invertido no reino de lisarB.
Até…

Por Antônio Sérgio Valente

Fonte: Blog do AFR via José Adriano.

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