Brasil e EUA negociam há décadas um tratado para evitar a bitributação do Imposto sobre a Renda como forma de incrementar o fluxo de investimentos dos dois países. Por diversas razões, os dois países ainda não alcançaram um consenso sobre o texto, apesar dos constantes rumores de que o tratado estaria em vias de ser concluído.
Com a publicação do Decreto nº 8.506 em 25 de agosto de 2015, passou a vigorar no Brasil um pacto entre os dois países: o Acordo para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA/IGA (Foreign Account Tax Compliance Act / Intergovernmental Agreement), que não chega a evitar a bitributação, mas traz implicações tributárias relevantes para os dois países.
Em linhas gerais, o IGA representa um compromisso do Brasil para implementar ações objetivando viabilizar uma das mais importantes medidas americanas no combate à sonegação fiscal, o FATCA. Em uma clara diferença em relação a outro acordo recente entre os dois países (o Acordo para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, de 2013), o IGA institui a troca automática e recíproca de informações relativas a contas bancárias mantidas junto a instituições financeiras no Brasil e nos EUA (como a indicação do titular e do saldo da conta, por exemplo).
Antes mesmo da promulgação do IGA no cenário nacional, a IN º1.571, publicada pela Receita Federal em julho de 2015, já havia criado as ferramentas necessárias para que o governo brasileiro passasse a coletar as informações a serem apresentadas aos EUA no âmbito do IGA. Foi imposta, assim, uma nova obrigação acessória às instituições financeiras brasileira, a e-Financeira, que exige a transmissão de informações bancárias ao Fisco a partir de dezembro de 2015. Apesar do louvável objetivo, há importantes elementos que merecem ser analisados e debatidos pela sociedade no que tange às obrigações assumidas pelo governo brasileiro.
Um deles está relacionado à existência ou não de eventual conflito entre as regras do IGA e a Constituição brasileira, que assegura aos cidadãos a inviolabilidade do sigilo de correspondência, de dados (inclusive bancários) e de comunicações telefônicas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já foi provocado a se manifestar sobre sigilo e historicamente tem defendido que a quebra do sigilo bancário somente pode acontecer em situações excepcionais, já que a premissa constitucional é de respeito à privacidade do cidadão. Exatamente com base nisso é que em 2010 o STF vedou ao Fisco a quebra do sigilo bancário de determinado contribuinte sem autorização judicial, especialmente por ser parte na relação tributária. Muito embora esse seja um precedente importante, fato é que a posição do Supremo somente será aplicável a todos os contribuintes quando julgada uma das ações diretas de inconstitucionalidade propostas já desde 2001 ou o Recurso Extraordinário nº 301.314 (submetido ao regime da repercussão geral), todos ainda aguardando análise pelo tribunal.
Não é possível antecipar qual será a posição do STF sobre a matéria, não só porque sua composição foi bastante alterada desde o último julgamento sobre sigilo, mas porque a concepção sobre o combate à sonegação fiscal no Brasil e no mundo sofreram grandes mudanças desde então.
Medidas como o IGA se inserem no contexto de um movimento mundial rumo à integração entre as administrações tributárias dos países com o objetivo de combater a sonegação fiscal, iniciado com a imposição de restrições aos chamados paraísos fiscais e, mais recentemente, tornado mais incisivo com ações lideradas pela OCDE, G20 e outros.
Nesses programas, o direito dos cidadãos à privacidade e ao sigilo bancário é contraposto ao seu dever de informar sua posição patrimonial ao Fisco. Por essa razão é que nos EUA a implementação do FATCA em 2010 foi antecedida pelo Voluntary Disclosure Program (2009), que deu aos cidadãos americanos a oportunidade de regularizar a situação de ativos localizados no exterior com anistia dos crimes de evasão de divisas e sonegação fiscal, mediante pagamento de uma sanção pecuniária.
Medida semelhante é objeto de discussão pelo Congresso Nacional brasileiro, em que se propõe a criação do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de bens de origem lícita mantidos no exterior por residentes no Brasil e que não tenham sido declarados às autoridades competentes.
Não se nega a importância de ações que visem estreitar as relações entre as nações com o objetivo de conferir maior eficiência às atividades de fiscalização em matéria tributária. Todavia, justamente por tangenciar o direito ao sigilo previsto em cláusula pétrea da Constituição, seria muito importante que os contribuintes brasileiros tivessem a oportunidade de regularizar a situação de seus ativos não declarados antes da efetiva implementação do IGA e de outras ações semelhantes. A realização dessas diferentes ações de forma não coordenada pelo Brasil pode levar a um desvio das práticas adotadas em âmbito mundial, em prejuízo aos contribuintes brasileiros.
Fernando Colucci é sócio da área tributária do Machado Meyer Advogados.
Fonte: Valor Econômico
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