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"O Brasil precisa de uma revisão estrutural dos tributos"

Especialista em Direito Tributário afirma que governo teria dificuldades para legitimar impostos progressivos deixados de fora do pacote

Para a professora, criar novos impostos pode esfriar o consumo e piorar a crise

Ao anunciar os cortes de gastos e aumento de impostos na segunda-feira 14, o governo federal deixou de fora do pacote, por conta da posição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, propostas que tornariam a tributação no Brasil menos injusta, como a criação de uma nova alíquota máxima no Imposto de Renda de Pessoa Física e a tributação sobre lucros e dividendos. 

Defendidas internamente pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, essas medidas teriam extrema dificuldade para avançar caso fossem encampadas pelo governo. A avaliação é de Nara Cristina Takeda Taga, coordenadora de Direito Tributário Aplicado da Fundação Getúlio Vargas (FGV), para quem o aumento de impostos alcançou um limite no Brasil. Para ela, o governo deveria pensar em realizar uma profunda reforma tributária. "O pensamento é simples: podemos aumentar a arrecadação até determinado ponto. Se passarmos desse limite, a arrecadação começa a cair porque os contribuintes não conseguem dar conta da tributação e a atividade econômica despenca. Esse limite já foi superado", alerta a pesquisadora. 

Carta Capital: O governo discutiu a ideia de aumentar o Imposto de Renda, criando uma nova alíquota máxima, entre 30% e 35%. Como a senhora avalia essa possibilidade?

Nara Taga: Isoladamente, o aumento da última faixa do Imposto de Renda é positivo. Em comparação com países da OCDE, o Imposto de Renda no Brasil não é alto. Nosso imposto de renda tem de ser progressivo e proporcional. Portanto, ter mais uma faixa para rendimentos maiores faz todo sentido. O problema é que a tributação brasileira é focada no consumo. Por isso, não adianta aumentar a tributação em mais uma faixa, sem baixar os tributos de consumo. Países da OCDE têm faixas e cargas de tributação muito maiores do que as brasileiras em relação à renda porque eles tributam a renda ao invés do consumo. Aqui, no Brasil, é o contrário.

CC: Hoje, a arrecadação com o Imposto de Renda corresponde a apenas 2,7% do PIB e incide sobre apenas 32,6% da População Economicamente Ativa. Criar uma nova faixa seria relevante neste momento de ajuste fiscal?

NT: Eu acho que toda ajuda é bem-vinda no sentido de ter maior avaliação, mas eu acho que não fará grande diferença. Exemplo disso é a baixa participação deste imposto em relação ao PIB. Além disso, normalmente, o aumento do Imposto de Renda traz uma ojeriza popular. Há sempre uma dificuldade para a população aceitar esse tipo de medida. Por mais que se crie essa faixa me parece que não será relevante para fins de receitas em comparação com o prejuízo ou dificuldade para que as pessoas aceitem a medida.

CC: A criação dessa faixa não tem um impacto muito grande para a arrecadação, mas seria um instrumento de justiça social de certa forma?

NT: De certa forma, sim. Ela aumenta a progressividade do Imposto de Renda, que é um dos princípios norteadores que nós devemos perseguir, segundo a Constituição. Mas, de fato, não é algo tão relevante neste momento como seria o corte de custos. É muito mais correto, do ponto de vista do Direito Financeiro, conseguir cortar os custos do que aumentar o Imposto de Renda.

CC: A tabela do IR tem uma defasagem da ordem de 65% em relação à inflação. Por que o governo resiste em mudar essa situação?

NT: Se a tabela for atualizada, contraditoriamente, haverá uma queda na arrecadação. A defasagem é relativamente grande. Nós chegamos a um ponto em que a sociedade já está saturada em relação aos tributos. O aumento dos impostos alcançou um limite no Brasil. O pensamento é simples: podemos aumentar a arrecadação até determinado ponto. Se passarmos desse limite, a arrecadação começa a cair porque os contribuintes não conseguem dar conta da tributação e a atividade econômica despenca. Esse limite já foi superado. Por isso, toda e qualquer tentativa - seja via CPMF, IR, aumento de PIS/Cofins – já passaram um pouco do limite. Ou seja, é complicado falar de aumento de impostos sem discutir a base do problema nas contas brasileiras. O governo conta só parte da história quando opta por dizer que a tributação dos mais ricos, em comparação com os países da OCDE, é pequena e omite admitir que a tributação sobre o consumo já é muito alta. É preciso equacionar o sistema tributário.

CC: O Brasil tem uma carga tributária (35,8%) alta se comparado à América Latina (20,7%) e um pouco acima da média da OCDE (34,6%). Neste momento, muitos especialistas avaliam que seria mais conveniente reformar o sistema e não aumentar os impostos. Na sua opinião, existe essa reflexão no governo?

NT: Não, infelizmente. O governo tenta impor algumas coisas novas, com o imposto sobre heranças, grandes fortunas ou até a questão da anistia, vinculada à multa, para quem repatriar capitais não declarados para o Brasil. Mas não há movimentos em direção a uma reforma tributária. O Brasil precisa de uma revisão mais estrutural de nossos tributos para termos um sistema mais federalista, terminar com a guerra entre os estados, rever o ICMS, entre outros.

CC: O debate tributário no Brasil transita entre “mais impostos” ou “menos impostos”. É este o debate que devemos fazer?

NT: O debate deve ser sobre os dois lados da moeda: como o governo arrecada e como gasta. A máquina do sistema tributário funciona, mas esquecemos dos gastos. São dois movimentos que devem acontecer em conjunto. Não adianta falar de aumento da carga tributária sem antes falar de redução dos gastos públicos.

CC: O governo não fala em tributar lucros e dividendos, hoje isentos no Brasil. Isso seria uma alternativa mais eficiente para aumentar a arrecadação ou realmente já alcançamos um ápice?

NT: Já alcançamos um ápice. Em outros países, isso é normal. A pessoa jurídica e pessoa física pagam e isso não é considerado uma bitributação porque são personalidades jurídicas diferentes. Isso poderia ser implementado no Brasil, mas a repercussão social da medida e a alta carga de impostos sobre o consumo são impedimentos. A tentativa do governo em tributar mais as organizações financeiras é um exemplo. Muitas pessoas apoiam esta medida, mas a carga tributária dos bancos já é enorme. Às vezes é fácil defender a tributação de bancos, pessoas mais ricas ou pessoas jurídicas, mas também temos que pensar que, muitas vezes, esses contribuintes já pagam muito e há um limite. É preciso problematizar essa questão. Com a crise, a atividade econômica já está baixa, se tributarmos mais a situação tende a piorar.

CC: Privilegiar a tributação da renda em detrimento de tributar o consumo é positivo também para os ricos?

NT: É positivo, sim. Não sei se quem tem mais renda mais concordar comigo... É um movimento em cadeia que aumenta o consumo, a produção de bens e serviços e é mais justo. O Imposto de Renda é um imposto guiado pela capacidade contributiva, ao passo que tributação pelo consumo, todos pagam igual. A tributação da renda em bases mais progressivas é muito necessária e está prevista pela Constituição. Por outro lado, também é fundamental repensar a carga tributária sobre o consumo e simplificar os tributos. Hoje, o processo é pouco transparente e poucas pessoas entendem o que o governo está cobrando delas. Isso é uma proposta defendida pelo próprio ministro Joaquim Levy.

Entrevista - Nara Taga

Fonte: Carta Capital

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