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Alteração para PIS/Pasep e Cofins na Lei 13.241/2015 é inconstitucional

Quando se consagra um Estado Democrático de Direito (artigo 1º, CF), tendo como fundamento a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa, pluralismo político, levando ainda em consideração a separação dos poderes (artigo 2º, CF), visando construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, CF), pressupõe-se o respeito o respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Isto fica mais evidente em uma Constituição Federal que estabelece amplo rol de direitos fundamentais, além de outros decorrentes dos tratados de direitos humanos, constituindo verdadeiro limite à reforma de seu próprio texto.[1].

Entre as garantias estabelecidas em nossa Constituição temos o devido processo legal que, em verdade, não se resume ao judicial e administrativo, uma vez que há ainda o legislativo.

O devido processo legislativo é uma garantia fundamental, sobretudo, quando se tem um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que a produção de atos normativos deve seguir parâmetros, de cunho procedimental e material, respeitando-se as regras de separação dos poderes, a fim de que se tenha, ao final, um produto legislativo considerado constitucional e legítimo.

Como é de conhecimento, houve a edição da Medida Provisória 690, de 31 de agosto de 2015, que, entre outras questões tributárias, tratou das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins.

Esta disciplina por meio de Medida Provisória se deu, principalmente, de forma indireta pelo artigo 9º que enunciava: “Art. 9º Ficam revogados os arts. 28 a 30 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005”.[2] Sendo que o artigo 10, estipulava que o artigo 9º produziria efeitos a partir do quarto dia do mês subsequente a da publicação daquela.

Ocorre, no entanto, que, quando da apreciação do Congresso Nacional (artigo 62, CF), existiram diversas propostas de emendas, com alteração de referida medida provisória, o que levou ao Projeto de Lei de Conversão (PLC).

Durante o devido processo legislativo, portanto, o Congresso Nacional alterou a estrutura e diversos dispositivos da Medida Provisória n. 690/2015 editada, razão pela qual, inclusive, o projeto aprovado foi encaminhado para sanção presidencial, pois, tratando-se de Medida Provisória sem alteração substancial, não há esta necessidade.

Após avaliação presidencial do projeto aprovado, houve a sanção – com alguns vetos — publicando-se a Lei 13.241, 30 de dezembro de 2015 (DOU Extra — 31/12/2015).

A Lei 13.241/2015, quanto às contribuições para o PIS/Pasep e Cofins, traz uma nova estrutura jurídica da legislação, não reproduzindo os dispositivos anteriormente estipulados na Medida Provisória 690/2015.

Isto porque, referida Lei: (i) — não revoga o artigo 28, da Lei 11.196/2005, como estabelecida o artigo 9º da Medida Provisória, sendo esta parte do texto substituída pela revogação tão somente do artigo 30, II, da lei que cuida do programa de inclusão digital; (ii) — há inovação na disciplina do PIS/Pasep e da Cofins, pois, sem qualquer dispositivo legal correspondente ou semelhante na Medida Provisória, a Lei 13.241/2015 (artigo 9º), dá nova redação ao artigo 29, da Lei 11.196/2005[3], não o revogando; (iii) — em consonância com a nova redação do artigo 28 da Lei 11.196/2005, a Lei 13.241/2015 faz também a inserção do artigo 28-A, sem qualquer dispositivo correspondente na Medida Provisória 690/2015, onde estabelece que a alíquota zero para tais contribuições deixará de ser aplicada até  31 de dezembro de 2016, o que gera majoração do PIS/Pasep e Cofins, pois, haveria uma alíquota total de 9,25% ou 3,65% dependendo, respectivamente, do regime não cumulativo e cumulativo; (iv) — além disso, houve veto quantos aos artigos 8º e 9º, incisos II e III, da Lei 13.241/2015, que foram aprovados pelo Congresso Nacional no projeto de lei de conversão e, assim, inexistentes na Medida Provisória, os quais estabeleciam créditos sobre os estoques de tais equipamentos, além de já disciplinar redução das alíquotas para os anos de 2017 e 2018 em 50% e 2019 em 100%.

Como premissa, percebe-se com clareza meridiana que o dispositivos que regulavam o PIS/Pasep e Cofins na Medida Provisória não foram aprovados pelo Congresso Nacional, existindo, em verdade, dentro projeto de lei de conversão a criação e disciplina de tais contribuições por outros textos legais, que, inclusive, causaram a majoração de tais contribuições.

Mais do que isso, é importante perceber que o próprio espírito do texto legal aprovado, com estrutura e artigos diversos da medida provisória sobre o tema, ainda sofreu certa mutilação com os vetos realizados.

Todo este contexto que apresentamos, partindo, especialmente, da necessidade de se valorizar o devido processo legislativo em um Estado Democrático de Direito tem um propósito especial.

O artigo 11, da Lei 13.241/2015, estabelece que esta entra em vigor na data da sua publicação, de maneira que as majorações descritas, notadamente, no artigo 9º de referida legislação e sem artigo correspondente na Medida Provisória 690/2015 já estaria produzindo efeitos.

Entendemos, todavia, que a majoração imediata das contribuições para o PIS/Pasep e Cofins estabelecida pela Lei 13.241/2015, em seu artigo 11, quanto ao artigo 9º, é inconstitucional, uma vez que há necessidade de respeitar um limite ao poder de tributar, verdadeiro direito-garantia fundamental do contribuinte, que é a regra/princípio da anterioridade nonagesimal, prevista no artigos 150, III, “c”[4] e 195, § 6º[5], todos da Constituição Federal, consagrada como verdadeira “cláusula pétrea” (artigo 60, § 4º, IV, CF/88).

A mais disso, vale lembrar que o artigo 62, da Constituição Federal, quanto à anterioridade nonagesimal não traz qualquer exceção. Deste modo, se não há exceção, a regra se confirma, sendo forçoso o cumprimento da regra/princípio da anterioridade nonagesimal seja pela medida provisória como também por outros atos normativos, como leis ordinárias e até emendas constitucionais.

Não se nega que o Supremo Tribunal Federal reconhece que a anterioridade nonagesimal na criação ou majoração de tributos, inclusive, contribuições, tem sua contagem a partir da edição da Medida Provisória.[6]

O cumprimento da anterioridade a partir da edição da Medida Provisória, todavia, somente se dá quando referido ato normativo é convertido em Lei sem alterações e modificações, pois, do contrário, a aplicação desta regra/princípio de proteção e garantia do contribuinte se dá a partir da publicação da lei de conversão, como também já reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal.[7]

Isto significa dizer que, de conformidade com as considerações iniciais a respeito do devido processo legislativo, a Lei 13.241/2015 não reproduz os dispositivos que anteriormente estavam descritos na Medida Provisória 690/2015, uma vez que disciplina por outra forma e estrutura o PIS/Pasep e Cofins, mantendo o artigo 28, da Lei 11.196/2005 em vigor, que estabelece alíquota zero, ao contrário do outro ato normativo que o revogava, além de criar o artigo 28-A, verdadeiro dispositivo que impõe a majoração e que também não constava em qualquer parte da medida provisória.

Ora, seria uma grande contradição se pretender o cômputo de 90 dias para a majoração de PIS/Pasep e Cofins, a partir de dispositivos da Medida Provisória que não foram convertidos em lei. Mais do que isso, ignorando-se os novos dispositivos legais, que surgiram somente na Lei 13.241/2015, gerando a majoração de referidas contribuições.

Assim, há evidente inconstitucionalidade no artigo 11, da Lei 13.241/2015, quando deixa de aplicar a anterioridade nonagesimal para o PIS/Pasep e Cofins, em descumprimento ao artigos 149, “caput”, 150, III, “c”  e 195, § 6, todos da Constituição Federal, juntamente, com a garantia constitucional do devido processo legislativo.

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[1] - CALCINI, Fábio Pallaretti. Limites ao Poder de Reforma da Constituição. Campinas: Millenium, 2009.

[2] - Para nosso trabalho o art. 28 é o mais relevante, pois tratava da alíquota zero para diversos produtos dentro do Programa de Inclusão Digital.

[3] “Art. 28. Para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2016, serão aplicadas na forma do art. 28-A desta Lei as alíquotas da Contribuição para PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita bruta de venda a varejo dos seguintes produtos: I - unidades de processamento digital classificados no código 8471.50.10 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI; II - máquinas automáticas para processamento de dados, digitais, portáteis, de peso inferior a três quilos e meio, com tela (écran) de área superior a cento e quarenta centímetros quadrados, classificadas nos códigos 8471.30.12, 8471.30.19 ou 8471.30.90 da Tipi; III - máquinas automáticas de processamento de dados, apresentadas sob a forma de sistemas, do código 8471.49 da Tipi, contendo exclusivamente uma unidade de processamento digital,  uma unidade de saída por vídeo (monitor), um teclado (unidade de entrada), um mouse (unidade de entrada), classificados, respectivamente, nos códigos 8471.50.10, 8471.60.7, 8471.60.52 e 8471.60.53 da Tipi; IV - teclado (unidade de entrada) e de mouse (unidade de entrada) classificados, respectivamente, nos códigos 8471.60.52 e 8471.60.53 da Tipi, quando acompanharem a unidade de processamento digital classificada no código 8471.50.10 da Tipi; V - modems, classificados nas posições 8517.62.55, 8517.62.62 ou 8517.62.72 da Tipi; VI - máquinas automáticas de processamento de dados, portáteis, sem teclado, que tenham uma unidade central de processamento com entrada e saída de dados por meio de uma tela sensível ao toque de área superior a cento e quarenta centímetros quadrados e inferior a seiscentos centímetros quadrados e que não possuem função de comando remoto (tablet PC) classificadas na subposição 8471.41 da Tipi; VII - telefones portáteis de redes celulares que possibilitem o acesso à internet em alta velocidade do tipo smartphone classificados na posição 8517.12.31 da Tipi; VIII - equipamentos terminais de clientes (roteadores digitais) classificados nas posições 8517.62.41 e 8517.62.77 da Tipi. § 1º  Os produtos de que trata este artigo atenderão aos termos e condições estabelecidos em regulamento, inclusive quanto ao valor e especificações técnicas. (NR)”.

[4] - Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III (...)c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”.

[5] § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

[6] - “Agravo regimental no recurso extraordinário. Prequestionamento. Ausência. Tributário. CSLL. Adicional de 1%. Medida Provisória nº 2.158-35/01. Anterioridade nonagesimal. Termo inicial. Primeira edição. Precedentes. Controvérsia acerca do valor do adicional. Matéria infraconstitucional. 1. Não se admite o recurso extraordinário quando o dispositivo constitucional que nele se alega violado não está devidamente prequestionado. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. O termo inicial para o cômputo da anterioridade nonagesimal é a edição da primeira medida provisória que majora a CSLL, no caso de reedições. Precedentes. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da causa à luz da legislação infraconstitucional. 4. Agravo regimental não provido.” (STF, RE 790861 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 24/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 27-04-2015 PUBLIC 28-04-2015).

[7] - “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 3º, I, DA LEI 7.787/1989. ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. ART. 21 DA LEI 7.787/1989. ART. 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte que, no julgamento do RE 169.740/PR, Rel. Min. Moreira Alves, firmou entendimento de que o período de noventa dias, disposto no § 6º do artigo 195 da Constituição Federal, não se conta da Medida Provisória 63/1989, mas, sim, da publicação da Lei 7.787/1989, tendo em vista que o inciso I do artigo 3º da Lei 7.787/1989 não é fruto da conversão do disposto no artigo 5º, inciso I, da citada Medida Provisória 63/1989. Precedentes. II – Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, AI 714027 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 09-06-2014 PUBLIC 10-06-2014).

por Fábio Pallaretti Calcini

Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Adv. Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando doutorando em Direito - Coimbra e ex–membro Carf.

Fonte: ConJur

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